Crónicas

Brigada do Reumático

1. Disco: Não há semana em que não ouça The National. Tenho-lhes o vício. Então quando sai alguma coisa nova, a escuta torna-se diária. Canções orelhudas, de marca muito especial. A voz de Matt Berninger toca-me fundo. Este regresso marca o ultrapassar de uma crise que teve como motivo maior uma espécie de “bloqueio criativo” e a depressão pela qual passou o “fontman” da banda. Penso que “First Two Pages Of Frankenstein” ficará na minha lista final de melhores do ano.

2. Livro: “Desobediência Civil”, de Henry David Thoreau, faz imenso sentido nos dias que correm. São inúmeros os sectores do país que manifestam o seu descontentamento contra o estado a que chegámos. Gosto de lhe voltar ocasionalmente. Lê-se num instante e consegue-se aprender sempre mais qualquer coisa. Resulta numa espécie de manual contra a desinformação, a manipulação, a mentira. No direito que temos a desobedecer. É um livro atemporal escrito em 1849. Se lhe voltarmos daqui a cem anos, tenho a certeza da sua actualidade.

3. O tema da semana tem tudo a ver com o que se passa com o governo nacional. Um desastre atrás do outro. Numa sequência suicidária de casos, que só tem um fim com a queda do governo. Um constante espernear. Um torcer de coluna a tentar encaixar tanta asneira.

O que me faz mais impressão são as motivações partidárias e ideológicas, que permitem a pessoas que considero desculpar o que não tem desculpa. O que é inqualificável.

Estou estupefacto. Sem palavras. São umas atrás das outras. Por maior que seja o respeito pelos resultados eleitorais, não há mandato do povo português que legitime isto. Não foi certamente no que os portugueses votaram.

Temos assistido é a um contínuo desrespeito pelas instituições. Chegámos a um ponto em está em causa a democracia liberal, que define muito bem os três poderes e os pesos e contrapesos. Manobrismo, mentiras, um dos governos nacionais mais vergonhosos de que há memória.

São poucos os que, à esquerda, reconhecem estar envergonhados com o momento político que vivemos. Eu já tive vários ataques de vergonha alheia… mas depois passa-me.

Por muito menos, do alto dos meus 62 anos, já vi governos a cair. Já assisti a intervenções da Presidência da República por muito menos.

Este governo da República e a maioria que o sustenta são uma questão de semântica.

4. As principais figuras do Estado são muito rascas. São o epítome de um regime pequenino, constantemente menorizado pelas suas primeiras figuras. Presidente da República, Presidente da Assembleia, Primeiro-ministro, personificam um regime caquéctico.

Eis a nova BRIGADA DO REUMÁTICO da República Portuguesa.

5. No reino animal, há espécies cujo processo evolutivo permitiu desenvolver ajuda mútua com outras, em que ambas são parte interessada e de onde saem beneficiados.

Chama-se a isso protocooperação e mutualismo, uma relação interespécie que permite a sobrevivência numa espécie de troca de serviços.

É essa a relação que existe entre o PS e o CHEGA. Suportam-se, para poderem existir. Os socialistas necessitam do partido de Ventura para abanarem o espantalho do fascismo, e a direita manhosa e populista precisa de Costa e seus camaradas, para poderem dizer mal de tudo, numa espécie de conversa de taxista do aeroporto de Lisboa, onde a palavra “vergonha” prevalece. Nem uma ideia, nem uma proposta, nem uma, por mais pequena que seja, alternativa. Ainda lá não chegaram, mas o cheiro a burage da gamela que levam no hálito, é muito grande.

6. Antes: Portela, Montijo, Alcochete.

Agora: Portela, Montijo, Alcochete, Santarém, Pegões, Rio Frio, Poceirão, que com as variantes dá 9 (nove) hipóteses.

Estamos no bom caminho.

7. Na altura da pandemia, pediram-me um contributo para que partilhasse algumas ideias sobre a elaboração de um estatuto para os artistas, que funcionasse como uma plataforma de apoio e como definição de mecanismos. Assim, propus que se criasse uma certificação profissional, que atribuísse a qualificação de Artista e o submete-se aos seus regimes legais específicos:

a) Esta qualificação deverá ser genérica e inclusiva (actor, músico, bailarino, artista plástico, comediante, encenador, cenógrafo, programador, promotor, etc.), devendo também considerar como fazendo parte deste grupo aqueles que realizam actividades que podemos considerar “conexas” (técnico de palco, contra-regra, técnico de som, carpinteiro, manobrista, técnico de luzes, etc.).

b) Reconhecer a actividade como intermitente, criando uma modalidade de apoio nos períodos em que não há trabalho.

c) Criação de uma comissão que certifique profissionalmente os artistas e actividades conexas. A certificação poderá ser comprovada tanto pela formação adquirida, como pela experiência profissional.

d) Para os que pretendem certificar-se pela via da experiência profissional, criar uma espécie de carteira de estagiário. Para aceder à carteira definitiva terá que executar trabalho na área pretendida e frequentar acções de formação.

2. Modalidades de contrato aplicáveis: a) contrato a longo prazo; b) contrato de duração reduzida; c) contrato em “part-time”.

3. O regime contributivo para a Segurança Social:

a) Aplicação do princípio: trabalha paga segurança social, não trabalha está isento.

b) Contagem de tempo total de trabalho com o valor de 1 ano, caso tenha realizado prestação de serviços durante 1/3 dos 365 dias.

c) As entidades contratantes devem passar a pagar TSU no valor de metade da que é aplicada aos restantes trabalhadores.

d) Redução para metade do valor a pagar à SS pelos trabalhadores designados como Artistas.

4. O escopo da sua protecção social:

a) Criação de um fundo de apoio especial de modo a assegurar o desemprego a longo prazo. Este fundo deverá ter como receitas uma percentagem de todas as licenças e impostos (camarários e estatais) pagos, por todas as actividades artísticas levadas a efeito (espectáculos, festivais, recitas, exposições, etc.).

5. O enquadramento fiscal:

a) Eliminar o pagamento especial por conta a todos os que desempenham actividades na área artística;

b) Tabela especial de pagamento em sede de IRS para os que tenham a designação de artista, que contemple a isenção até aos 12.000 euros;

c) Toda a actividade artística deve estar isenta de IVA, ou o aplicado deve ser o mais reduzido da tabela;

d) Como medida de protecção para o Artista deve ser equacionada a obrigatoriedade, quando aplicada, de fazer a retenção na fonte;

e) Tornar a abertura e encerramento de actividade um processo fácil e digital. Quando o artista não exerce coloca-se ao abrigo do fundo especial de apoio que lhe assegurará o rendimento mínimo para a sua vida com dignidade;

f) Todo o trabalhador artista pode declarar despesas como outro trabalhador qualquer, podendo reclamar os benefícios fiscais a que todos os outros contribuintes têm direito.

Acima, deixei algumas medidas que penso serem razoáveis e que fazem todo o sentido aplicar. Mas há mais que deixo para outra ocasião e outro local. Não podemos deixar aqueles que nos dão uma marca de identidade tão grande como os trabalhadores da cultura, com uma mão à frente e outra atrás.