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Os meus amigos vão a eleições

Há quem grite muito alto pensando que assim se faz ouvir melhor

Alguns amigos preparam-se para o combate político que se aproxima, por conta das eleições regionais deste ano. Devo dizer que eles são muito bons, porque politicamente muito sólidos e, convém referir, boas pessoas. São todos de diferentes partidos. Em comum, temos o gosto do debate político e a fé na metamorfose social que, parece-me, assenta em crenças e representações de que as alternativas possíveis se situam no coletivo. Ou seja, entendemos (penso que posso vinculá-los a esta afirmação) que a política é esse reavaliar (através do voto) o mundo à nossa volta.

A praticabilidade de uma reavaliação poderá ser a solução: reavaliação das dimensões existentes e/ou criação de novas dimensões. Toda e qualquer ordem, por ser invariável, pode ser percebida como alterável. Estamos no âmbito da normalização e da liberdade.

A diferença entre a liberdade e a servidão pode, não raras vezes, ser muito ténue. E entre a certeza e a incerteza manifesta-se, muitas vezes, a incredulidade perante o indiscutível. Por isso mesmo, a normalização pode ser repressiva. Ela intimida os que duvidam e os que contestam. As sociedades modernas podem até não recorrer ao pelourinho e à fogueira, mas persistem na intimidação do pensamento e na redução ao silêncio e ao ridículo do desviante.

Há quem grite muito alto pensando que assim se faz ouvir melhor. Há quem considere que a única forma de ganhar o respeito pelo seu ponto de vista é menorizando o adversário. Há, inclusive, os que querem destruir a riqueza da pluralidade de pensamento. Mas qual seria a importância da política de janela ideológica única? Seria útil, com certeza, aos que só sabem sobreviver pela morte de outros. Na verdade, isso significa matar a democracia que tanto custou a muitos a ganhar.

Voltando aos meus amigos que vão a eleições: eles e outros tantos, que não conheço, são a marca do que este mundo tem de melhor, a diversidade de ser e de estar. Eles são coragem porque a exposição a que estão sujeitos pode fazer sentir que não vale a pena. Neste sentido, eles também são liberdade. A política assume aqui o lugar de exame de possibilidades, quer dizer, de escolhas. De continuidade e de rutura. A ambivalência da rutura está no facto de não sabermos aonde ela nos leva. Mas existe a possibilidade de ela nos dirigir para uma vitalidade cultural e a uma transformação das estruturas sociais. Se o declínio de um mundo pode levar à sua destruição, outros mundos existem pela gestação dessa queda. Talvez seja esta a altura para que alguns mundos tombem em nome da renovação.

Os meus amigos vão a eleições e, independentemente dos resultados, vamos continuar neste debate. Importa que, neste processo, pensar não signifique uma “ameaça de enfrentar a alma no espelho: [pensar] é sair para as varandas de si mesmo e olhar em torno” (LUFT, L., 2005, p.20). Vamos continuar a pensar na divergência do pensamento que é a maior prova da nossa amizade.