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Comissão Europeia quer atacar pedofilia sem poupar meios, PE cético sobre quebras de privacidade

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Pode estar para durar o braço-de-ferro entre a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu (PE) sobre legislação contra a pedofilia, com o executivo a querer uma lei mais cirúrgica e os eurodeputados preocupados com a privacidade.

"Precisamos de uma legislação própria e sólida, se para isso é necessário mais tempo então que assim seja. Isto não pode ser percecionado a curto prazo, precisamos de uma solução duradoura e neutral à tecnologia. Sabemos que a tecnologia se está a desenvolver enquanto conversamos, precisamos de uma legislação que a acompanhe", disse a comissária europeia responsável por esta legislação, Ylva Johansson, em declarações aos jornalistas portugueses, no Parlamento Europeu (PE), em Bruxelas.

A Comissão Europeia apresentou uma proposta de legislação que quer obrigar as plataformas de serviços online, como o WhatsApp, da Meta, a vasculharem os utilizadores para tentar encontrar fotografias e vídeos de abusos sexuais de crianças e, deste modo, salvar essas crianças e julgar os criminosos.

Contudo, para o PE é difícil conceber uma maneira de o fazer sem infringir a privacidade dos cidadãos europeus e quebrar o preceito da encriptação online. Aplicações de mensagens instantâneas como a WhatsApp, Telegram e Signal, recorrem à encriptação "ponto a ponto" para impedir que as mensagens sejam intercetadas por terceiro, protegendo, deste modo a privacidade dos utilizadores, tanto quanto possível.

O dilema atual é este, mas Ylva Johansson insiste que "é o dever dos legisladores" responder ao flagelo da pedofilia.

"De momento, a encriptação está fora do âmbito da deteção, também é assim na deteção temporária [regime que foi prolongado há poucos dias]. Também difícil que haja uma tecnologia que consiga vencer a encriptação e achamos que a encriptação é uma garantia de privacidade e para os direitos fundamentais", disse Javier Zarzalejos, eurodeputado do Partido Popular Europeu (PPE) e relator desta proposta para o Parlamento Europeu.

O eurodeputado espanhol acrescentou que é necessário perceber que uma parte substancial dos conteúdos de pedofilia circula na "web aberta" e não nas aplicações de comunicações encriptadas.

De acordo com fontes parlamentares, a negociação ao nível do Conselho está a ser mais complicada com França e Alemanha, que apresentam mais reservas à legislação por causa da privacidade.

De um lado e do outro não se espera que haja consensos antes do final do ano e só com muita insistência durante a presidência belga do Conselho da UE seria possível aprová-la antes das próximas eleições europeias, em junho de 2024.

O assunto voltou a ser falado hoje por causa da entrega de uma petição com mais de 540.000 assinaturas para exigir ao PE, Comissão Europeia e Conselho Europeu que ajam rapidamente para aprovar a legislação para lutar contra a pedofilia e proliferação da pornografia infantil, e que a lei seja o mais completa possível.

"Quando apresentei a minha proposta para uma lei na União Europeia [UE] para prevenir e combater o abuso sexual de crianças aconteceu uma coisa que não esperava. Os sobreviventes chegaram-se à frente, partilharam as histórias de abusos e hoje, aqui, em toda a Europa, dizem: 'o que aconteceu comigo não pode acontecer a outra criança'", disse Ylva Johansson, perante adultos que sobreviveram a abusos sexuais quando eram crianças.

Hoje, acrescentou Ylva Johansson, na UE já não se fala de vítimas de abusos sexuais, mas em sobreviventes e, de acordo com o Eurobarómetro, mais de 80% dos cidadãos europeus querem ver concluída iniciativa legislativa: "Como crianças não tinham poder, mas agora têm, como adultos, e graças a vocês o debate está a alterar-se".

"Muitas vezes, as pessoas pensam que estamos a falar de adolescentes a explorarem a sua sexualidade. Mas isto é violência brutal, contra crianças, algumas praticamente recém-nascidas", advertiu.

O "material de categoria oito", ou seja, conteúdos de pedofilia com uma dimensão de violência extrema, "duplicou em três anos", revelou a comissária.

"Quero introduzir obrigações às empresas para que criem mecanismos de prevenção. Uma criança que está a ser violada não pode clicar num botão na internet, a única maneira de parar o abuso é descobrindo" acrescentou, alertando que em apenas um ano as plataformas identificaram "mais de cinco milhões de vídeos" de pedofilia e, por exemplo, no mesmo período foram identificados 385 casos de abuso sexual de menores.