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Crónicas

A dura e por vezes ingrata tarefa de perdoar

Não é fácil termos a capacidade de dar uma segunda oportunidade, nem é simples a tarefa de, mesmo não esquecendo, ultrapassar determinadas situações

Uma das mais exigentes missões do ser humano é a capacidade de perdoar. Todos nós, de uma forma mais ou menos próxima, conhecemos casos de pessoas que passaram uma vida inteira mal resolvidas por não se darem a esse direito. Muitas vezes por orgulho, outras por feridas abertas que acabam por nunca sarar. Quantas vezes não existe lá no fundo esse desejo mas o orgulho ou as recordações não nos deixam tomar essa atitude? E vamos caminhando com esse fardo pesado às costas que nos corrói por dentro e nos destrói de uma forma inimaginável. Umas vezes por razões profundas que não dão espaço a qualquer outra opção, outras por situações menos graves que seriam facilmente resolvidas e abririam espaço para uma vida mais leve, sem aquele pensamento permanente, de que existem coisas por resolver que nos ocupam aquele espaço escuro para onde voltamos de quando em vez. Há quem nunca mais recupere dessa dor e não tenha a capacidade de ultrapassar, de seguir em frente. Quem não esqueça, por mais voltas que o mundo dê e por mais saudades que alguém possa representar de um passado com um significado especial.

Vejo por aí pessoas que não conseguem dar o braço a torcer e preferem manter esse corte mesmo que desejassem precisamente o contrário. Passam anos e perdem-se momentos que nunca mais voltarão. Gente que se arrepende de não ter resolvido, de não ter voltado atrás de não ter procurado outra via e que muitas vezes se dá conta disso tarde demais. Há coisas imperdoáveis que não permitem qualquer aproximação, mas há tantas outras que mereciam outra reflexão por representarem em si uma dupla penalização, a de perder determinada pessoa e de ainda ter que conviver com essa escolha quando existia espaço para tudo ser diferente. São famílias que se dividem, amizades que se partem e que não voltam mais. Tenho uma amiga que não fala há vários anos com o pai. Chatearam-se por um acumular de situações, nada de muito grave e acabaram por se afastar. Vivem os dois com esse buraco, sentem falta um do outro, seriam muito mais felizes se se reconciliassem, mas o orgulho fala mais alto e assim vão permanecendo sem que um tenha a capacidade de dar o primeiro passo. Seguramente que se irão arrepender dos tempos que têm perdido e da companhia um do outro.

Não é fácil termos a capacidade de dar uma segunda oportunidade, nem é simples a tarefa de, mesmo não esquecendo, ultrapassar determinadas situações. Achamos injusto, sentimo-nos traídos e magoados e não conseguimos ver para além do que nos fez sentir assim. São desilusões que nos marcam e que permanecem em nós. Na verdade, achamos que por não perdoar estamos a castigar a outra pessoa quando muitas vezes o castigo recai muito mais sobre nós. E seria tão mais simples se às vezes conseguíssemos cumprir com essa dura tarefa até para nos aliviar dessa marca, mesmo que as coisas pudessem não voltar a ser da mesma forma mas que pelo menos resolvêssemos isso. Perdoar é dos atos mais nobres e difíceis, é ingrato termos que passar por determinadas situações e ainda termos que levar com esse peso do perdão, mas é sempre a melhor forma de podermos olhar em frente e ao mesmo tempo de nos libertarmos. Não precisamos de esquecer nem tão pouco de nos anularmos mas se conseguirmos fazer essa construção em nós vivemos seguramente mais felizes e bem resolvidos. Mesmo que nada volte a ser igual.

“Passaste por tantas coisas na vida e estás sempre feliz. Como consegues?

Só tens de perdoar uma vez . Para sentires rancor, tens de o alimentar o dia todo, todos os dias. Sempre. Tens de te lembrar constantemente das coisas más. Dá demasiado trabalho.”

    in A Luz entre Oceanos