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55 anos, uma boa idade para refletir!

A 5 Outubro 1967, um jovem médico madeirense regressa à sua terra, após a formação em Lisboa. Dinâmico e ao mesmo tempo humano, o Dr. Jaime Jardim Fernandes foi o primeiro especialista de Ortopedia na Região. Usou experiência dos médicos generalistas e começou a formação de uma equipa especializada.

Inicia uma longa caminhada, transformando por completo os cuidados assistenciais das doenças e traumatismos do aparelho locomotor. Este percurso da Ortopedia faz agora 55 anos na Madeira e merece ser estimulado.

Não é segredo, sou médico ortopedista e sou colaborador do Diário de Notícias há 12 anos, onde compartilho o que penso, o que me preocupa e anseio. Escrevi sobre muitos temas, este em particular, faço-o hoje.

Um colega meu, o Dr. Luís Filipe Costa Neves, uma vez escreveu: “Somos os artesãos do movimento. E, sendo a vida movimento, somos, ao nosso modo, também artesãos de vida. Trabalhamos para restituir a mobilidade a quem a perdeu. Lutamos para que outros não a percam. E sigam na vida, com maior ou menor dificuldade, mas de cabeça erguida, na verticalidade e com a qualidade funcional possível”.

Numa sociedade que é cada vez mais sedentária, mas, ao mesmo tempo, valoriza o desporto e as atividades lúdicas. Onde a depressão e a obesidade ainda são prevalentes. Onde trabalhar infelizmente significa acidentes, desgaste precoce. Onde em muitos empregos se exige o mesmo, independentemente da idade do trabalhador. Onde se vive mais anos e os idosos anseiam por mobilidade e independência. Todos são desafios da mobilidade, onde a Ortopedia é cada vez mais solicitada.

A Ortopedia mudou. O paradigma do “médico dos gessos” e o RX como panaceia na urgência, são muito uma coisa do passado dos melhores hospitais. Há cada vez mais indicações para cirurgia. Estas são feitas mais em ambulatório. As cirurgias são cada vez menos agressivas, mais programadas, com o uso de artroscopia. A especialização e a transparência dos índices são a norma. Estimular o feedback dos utentes, a integração com a reabilitação e os cuidados domiciliários, a coordenação com os médicos de família, melhora os índices de qualidade.

Os serviços de Ortopedia mais diferenciados têm cada vez menos cirurgias de fraturas e mais cirurgia de conforto e qualidade de vida, sendo este um índice de qualidade. As doenças das articulações outrora desprezadas, como o ombro, mão, pé e coluna são valorizadas pelos serviços mais diferenciados.

A pressão que o cumprimento da legislação dos tempos máximos que os utentes podem esperar em lista de espera foi decisiva na modernização de muitos serviços, ao mudar rotinas, produtividade e diversidade de oferta de cuidados. Uma boa coordenação técnica com a indústria dos dispositivos cirúrgicos é fundamental para os bons resultados clínicos.

Estes princípios apesar de solidificados são, amiúde, ignorados por gestores que decidem, pouco percebendo do assunto. O imediatismo da gestão das camas hospitalares e dos tempos de blocos, cega a visão para além do horizonte, diferenciando-se aqui da gestão privada, que sabe fazer contas e premeia a inovação.

Quando comecei a trabalhar em Ortopedia, no longínquo ano de 1996, o nosso hospital era diferente. Era novo, ainda com muito potencial. Os cuidados hospitalares privados ainda eram escassos. De certa forma a perceção hoje mudou e certamente que haverá leituras distintas. E muitos terão uma opinião própria sobre os cuidados prestados. Hoje existe uma equipa tecnicamente muito bem preparada na Ortopedia, se bem que escassa. Agora que se aguarda o novo hospital, permitam-me reafirmar, é preciso olhar para além do horizonte. A assimetria na prestação, a integração de cuidados e a oferta de cirurgias de conforto e mobilidade, são um desafio à gestão clínica. Haja vontade!