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O bom, o mau e o monopolista

Num país com taxas, sobretaxas e sobre sobretaxas, o Estado engendrou novo saque fiscal: um imposto sobre lucros extraordinários. Imaginemos, com grande esforço, que temos resposta para quais seriam os lucros considerados inesperados, quais as empresas abrangidas e se o imposto teria um prazo definido. Fica-nos, sempre, uma pergunta por responder. Se aceitamos um imposto sobre ganhos excessivos das empresas, não estaremos, por coerência, a defender um desconto fiscal às empresas que apresentem prejuízos extraordinários? É que, na primeira metade de 2022, a receita fiscal do Estado cresceu seis vezes mais do que os lucros que agora se querem taxar.

O bom: Salman Rushdie

A imagem deixa-nos sem reação. Um homem esfaqueado por escrever um livro. Salman Rushdie publicou, em 1987, os Versículos Satânicos e, mais de 30 anos depois, foi brutalmente atacado por isso. Não se pense, no entanto, que o autor foi a única vítima do livro. O tradutor japonês foi assassinado no gabinete, o editor norueguês sobreviveu a 3 tiros nas costas e o tradutor turco escapou de um fogo posto no hotel em que pernoitava. A perseguição a Rushdie tem corpo na fatwa – uma sentença de morte – emitida pelo líder religioso do Irão, e razão na suposta blasfémia literária contra o Islão. A fatwa sobreviveu a Khomeini e viria a ser executada, em 2022, por um homem nascido após a publicação do livro. Ainda assim, Salman Rushdie resistiu. E com ele resiste também um princípio básico de liberdade. Pode parecer-nos distante, até insignificante, o ataque a Rushdie. Afinal tudo aconteceu nos Estados Unidos, a vítima foi um escritor indiano e o atacante um libanês radicalizado. Na verdade, embora um ataque terrorista nos pareça inverosímil, a tentativa de controlo do que se diz e do que se escreve tornou-se quotidiana. Hoje não são apenas os líderes religiosos a emitirem fatwas contra o discurso público. Essa censura começa quando se assume, com aparente impunidade, que a linguagem pode ser violenta e, por isso, deve ser politicamente correta. De preferência, inclusiva. Assistimos, com passividade, ao sacrifício da liberdade no altar da identidade, seja ela religiosa, de género, raça ou orientação sexual. Tudo porque caminhamos para um mundo em que é aceitável, até desejável, limitar as liberdades para não ferir sensibilidades. Rushdie ainda está connosco. E nós, mais do que nunca, temos de estar com ele.

O mau: Incêndios florestais

Enquanto assistimos a Portugal a ser devorado pelas chamas, é impossível não recuar a Pedrógão Grande. É difícil não regressar a como, naquela pequena cidade, todo um país desabou. Ainda mais deprimente é como esse regresso se tornou numa sina nacional. Verão após Verão, habituamo-nos a calcular a área ardida, a assistir à distribuição mediática de lamentos e abraços, a contar o número de bombeiros no terreno, a lamuriar as chamas em áreas inacessíveis e a ouvir dos responsáveis que nada mais se poderia ter feito. O desabafo de impotência tresanda a incompetência. Se o quiséssemos ilustrar, bastaria relembrar como numa demonstração aos jornalistas do funcionamento da rede SIRESP, a mesma falhou durante sete longos minutos. Se não é incapacidade, será, no mínimo, falta de planeamento. Enquanto acompanhamos a ferocidade com que o fogo saltita de aldeia em aldeia, ficamos com a sensação que o interior de Portugal é um enorme pedaço de terra desconhecido para quem governa. Talvez por isso, a reforma florestal prometida por António Costa não tenha passado do papel. Entretanto, o fogo ainda ardia na Serra da Estrela e já se prometia um estudo, a que provavelmente se seguirá um grupo de trabalho, que concluirá que, não fosse o Governo, tudo teria sido pior. E assim aguardaremos, impávidos, pelo próximo Verão para que tudo se repita e recrudesça. Continuamos a apagar fogos, quando deveríamos estar mais concentrados em evitá-los.

O monopolista: Sérgio Gonçalves

Tinha tudo para ser um passeio no parque. Uma volta de honra. A entrevista de Sérgio Gonçalves ao Funchal Notícias, sem desprimor para o jornalista que a conduziu, deveria ser uma garantia de brilharete para o líder do PS Madeira. Uma oportunidade para esclarecer ao que vinha, explicar o que faria diferente ou, no mínimo, uma hipótese para arregimentar as tropas. E como precisava disso Sérgio Gonçalves. A nova liderança socialista tem se apresentado de forma errática, confusa, muitas vezes em total dissonância com a herança política do PS. Foi assim na insistência por uma redução, massiva e em toda a linha, dos impostos, sem distinção entre empresas e cidadãos. A que se seguiu uma proposta de extinção da derrama regional, ao mesmo tempo que o PS propunha a sua manutenção no Funchal. O desencontro entre Sérgio Gonçalves e as bases do partido que lidera é evidente. O desencanto também. Por isso, todas as hipóteses para reavivar o entusiasmo perdido são de ouro. A entrevista corria sem sobressaltos, até que chegámos à possibilidade de existência de monopólios na Madeira. Sérgio Gonçalves vacilou. Tal como hesitou na resposta sobre o setor portuário. Titubeou quando se lhe pedia firmeza. E não se trata de avaliar se o líder do PS respondeu com acerto. O que inquieta na resposta de Sérgio Gonçalves não é o suposto desconhecimento técnico sobre monopólios ou estruturas de mercado, mas a inabilidade para perceber que a pergunta era sobre política e não sobre economia.