A Guerra Mundo

Contraofensiva ucraniana possível, tal como nova ofensiva russa

Cadetes de uma escola ucraniana abrigados durante um bombardeamento a Kiev. Os jovens escreveram 'Letras de Vitória' aos soldados na frente da guerra, anunciando uma recolha de fundos lançada para aquisição dos primeiros caças F16 Falcon da força aérea ucraniana. Foto EPA/SERGEY DOLZHENKO 
Cadetes de uma escola ucraniana abrigados durante um bombardeamento a Kiev. Os jovens escreveram 'Letras de Vitória' aos soldados na frente da guerra, anunciando uma recolha de fundos lançada para aquisição dos primeiros caças F16 Falcon da força aérea ucraniana. Foto EPA/SERGEY DOLZHENKO 

Uma contraofensiva militar das forças ucranianas é possível, embora "difícil de concretizar" na atual situação militar na Ucrânia, enquanto uma nova ofensiva russa também pode verificar-se, indicou à Lusa o analista militar e major-general Carlos Branco.

"Relativamente ao futuro, não excluo essa possibilidade [uma contraofensiva ucraniana] mas que será difícil de concretizar porque as tropas têm de ser treinadas, não basta o equipamento. E treinar um exército para o combate não se faz em dois ou três meses", referiu em declarações à Lusa.

Diversos institutos e analistas ocidentais têm considerado que, atendendo à atual situação no terreno, as forças russas registam as mesmas limitações que as impediram previamente de avanços substanciais na província de Lugansk -- região do Donbas, no leste, entretanto já controlada pelas forças secessionistas russófonas -- e que a campanha militar "entrou numa fase crítica para Moscovo" devido à dificuldade em manter a sua ofensiva após a entrega aos ucranianos de novo armamento, em particular a artilharia norte-americana de longo alcance HIMARS.

"Não sei onde está o equilibro de forças no terreno, isso é mais no domínio da 'propaganda'. É importante que os ucranianos digam que cidades já reconquistaram, que porções de terreno conquistaram, quais as cidades onde voltaram a colocar a bandeira ucraniana", contrapõe Carlos Branco.

"Quando mostrarem isso, perceberemos. Sobre os contra-ataques com que me deparei na minha vida na tropa, primeiro têm de existir bombardeamentos intensivos de unidades em primeiro escalão, e a seguir avançam os elementos de manobra, infantaria e carros de combate. Isso não aconteceu ainda", adiantou.

As forças russas continuavam na quarta-feira empenhadas na defesa dos territórios ocupados no sul da Ucrânia, perante a tentativa persistente de Kiev em recuperá-los, enquanto mantinham também os ataques em direção à importante cidade de Bakhmut, em Donetsk.

"[Moscovo] Está a movimentar um grande número de tropas na direção de Kherson", explicou Oleksiy Arestovych, assessor do Presidente ucraniano, sobre as tentativas russas em impedir as contraofensivas ucranianas no sul.

As forças ucranianas informaram, pelo seu lado, que destruíram parcialmente uma ponte em Kherson, considerada fundamental para o abastecimento russo à cidade do sul controlada por Moscovo.

A ponte Antoniv, sobre o rio Dnipro, está localizada a leste de Kherson e é uma das infraestruturas mais importantes da zona que foram atacadas nos últimos dias, juntamente com a ponte Daryiv e a estrada que atravessa a barragem de Kakhovskaya, segundo fontes ucranianas.

O major-general e investigador Carlos Branco admite que os HIMARS fornecidos pelos norte-americanos [lança-foguetes múltiplos instalados num veículo] estão a "produzir algum efeito", mas recordou que a Rússia tem equipamentos equivalentes.

"O SMERCH BM-30 russo é uma arma mais potente que o HIMARS, e onde os ucranianos possuem este armamento, na zona de Kherson, os russos têm aí os [sistema antimísseis] S-400 que intercetam os HIMARS. Para além disso, há notícias que os russos estão a destruir os paióis onde estão as munições para os HIMARS", referiu.

"Temos de ser muito cuidadosos para não cairmos na armadilha da propaganda. Neste momento não vejo onde existe esse equilíbrio de forças. Aquilo a que poderemos brevemente assistir é a uma nova ofensiva russa, ao contrário da anunciada contraofensiva" insistiu.

Na passada segunda-feira, o chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, assegurou que a intervenção militar da Rússia consiste em "derrubar o Governo do Presidente Volodymyr Zelensky" e admitiu que o seu objetivo consiste em controlar "novos territórios".

Uma posição repetida na quarta-feira pelo líder separatista pró-russo de Donetsk, Denis Pushilin, ao assegurar que "chegou o tempo de libertar as cidades russas, fundadas por russos", e onde incluiu Kiev ou Odessa.

Neste contexto, Carlos Branco frisou que a uma ofensiva do exército ucraniano terá de decorrer na zona de Kherson, no sul do país.

"Mas estão marcados dois referendos [nas províncias de Lugansk e Donetsk, controladas pelos separatistas russófonos, sobre a anexação desses territórios à Rússia] logo na primeira quinzena de setembro, e para tirarem proveito político da sua contraofensiva isso teria de passar sempre por impedir a realização desses referendos", precisou.

"Uma ofensiva a sério tem de acontecer com brevidade, no mês de agosto, e há dois locais onde podem fazê-lo - na zona de Kherson até Mykolaiv, e Zaporijia. Mas têm de fazer concentração de forças e nada disso nesta altura é visível", admitiu.

Após as ofensivas russas e das forças separatistas no sul do país, em particular na região de Mariupol, banhada pelo mar de Azov e que já controlam, o major-general considera ser agora "quase impossível a entrega pelos russos desses territórios aos ucranianos", a menos que Kiev tenha "capacidade para os reconquistar", o que não parece provável na atual situação.

"As autoridades russas nunca manifestaram de viva-voz, nem por escrito, quais as suas intenções. O primeiro a falar foi Lavrov, que de uma forma vaga referiu que as intenções da Rússia do ponto de vista geográfico iam além do Donbas", indicou ainda.

Uma posição que considera fazer sentido "do ponto de vista militar", pela necessidade em controlar zonas de terreno que permitam obter uma posição defensiva, devido à especificidade da geografia desses regiões, e para "obter conquistas territoriais e conseguir no futuro manter essa conquista".

O que significa, na sua perspetiva, que Rússia não se pode remeter à região do Donbas "e tem de ir mais longe".

"O que é ir mais longe? Há o que é óbvio, e há interrogações. Óbvio é prosseguir o movimento até às margens do rio Dniepre, o que prognostica batalhas difíceis, onde se incluem Poltava, Kremenchuk, Dnipro, nas margens do Dniepre", sugere.

"Mas a grande questão é no norte. Vai ser muito difícil os ucranianos agarrarem Kharkiv, do ponto de vista militar parece que está relativamente ao alcance dos russos. Onde considero existirem mais dificuldades no médio prazo é Odessa. Os ataques de forma sistemática a depósitos de munições, infraestruturas militares, quartéis, e em Mykolaiv, visam sobretudo impedir que esta cidade se torne num apoio logístico a um eventual ataque das forças ucranianas no sul".

O especialista militar também sustentou que "as dúvidas que atualmente se colocam residem até onde os russos vão parar no norte, e no sul se tencionam ir para Odessa. Sou tentado a dizer que sim. Mas Odessa é uma situação muito difícil, porque não existe uma zona no terreno que seja uma divisória e seja fácil de defender".

Relativamente a um avanço em direção à Transnístria, a região separatista russófona do leste da Moldova, e ao projeto da designada "Nova Rússia", também admitiu que "tudo é possível, porque existe na narrativa, mas não sei se está na agenda".

Assim, assinalou que "a questão que se coloca é perceber qual a capacidade com que a Rússia vai emergir no combate que será muito violento no Donbas, e se terá recursos e capacidade para continuar o ataque e até onde".

De acordo com o relatório diário do Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, na sigla em inglês), as lideranças separatistas russófonas do Donbass (leste) continuavam esta semana a definir prazos para a conquista de novos territórios, com o objetivo de reforçar os preparativos para a realização de referendos de anexação e integração na Federação da Rússia.

Na segunda-feira, e citado no referido relatório do instituto norte-americano, o ministro adjunto da Informação da autoproclamada República Popular de Donetsk (DNR), Daniil Bezsonov, disse que espera controlar a "totalidade da província de Donetsk" até ao final de agosto.

"Diversas fontes russas e ocidentais referiram previamente que a Rússia pretende promover referendos nas zonas ocupadas em meados de setembro, provavelmente no dia 11, data que coincide com as eleições regionais na Rússia", indicou o ISW.

Ainda segundo o ISW -- fundado em 2007 no decurso da intervenção dos EUA no Iraque e que tem como missão "melhorar a capacidade do país para executar operações militares e responder a ameaças emergentes com o objetivo de garantir os objetivos estratégicos" norte-americanos --, será feita pressão para concretizar novos objetivos militares, apesar de as forças russas "não parecerem de momento com capacidade para ocupar significativo território adicional na Ucrânia" antes da concretização dos projetos de anexação.

As forças russas terão registado nos últimos dias "avanços marginais" a nordeste de Bakhmut, na província de Donetsk, enquanto prosseguiam combates a leste e sul desta cidade. Foram ainda registados ataques limitados a noroeste de Izyum, na região de Zaporijia e em Kherson (sul).

Por sua vez, indica ainda o relatório diário do ISW, as forças ucranianas continuaram a atacar posições logísticas russas na província de Kherson, e com o Kremlin a organizar "batalhões regionais de voluntários" que devem ser enviados para a Ucrânia.