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A saída mais fácil

Com Portugal em chamas no momento de escrita deste artigo, é importante analisar as duas mais populares tentativas de explicação para este surto de incêndios: as alterações climáticas e a mão criminosa. Apesar de ambas não se excluírem mutuamente, o certo é que a primeira tende a prevalecer sobre a segunda, desresponsabilizando de certa forma o Estado e a sua política de combate a incêndios tanto no campo da gestão do território como no campo da administração da justiça.

Com efeito, são muitos os que apontam as alterações climáticas que têm vindo a causar uma maior frequência de fenómenos climáticos extremos – neste caso em especial, a onda de calor histórica que assola principalmente Portugal continental – como causa para estes incêndios. É óbvio que estas, sendo “incontroláveis”, são uma das grandes razões deste flagelo, mas talvez mais determinante do que elas, as alterações climáticas, seja a certeza, ainda há poucos dias assumida pelo Comandante Nacional de Emergência e Proteção Civil, de que “mais de metade das ocorrências tem origem em atos de negligência” e, acrescente-se, em mão criminosa como o demonstra a identificação recente de incendiários não negligentes e a própria denúncia de populares que têm vindo a sofrer as consequências dos incêndios deste ano.

Ora, como já foi dito, estas são duas teorias que nada têm de incompatíveis. Pelo contrário, são teorias que se complementam quase de modo perfeito ao conseguirem esclarecer a forma como estes incêndios deflagram: o contexto físico já susceptível para o surgimento de incêndios de forma “natural” e a mão criminosa ou negligente que facilita o início destes. É uma abordagem óbvia a que o cidadão comum consegue chegar. Contudo, quando assistimos ao noticiar (principalmente, o televisivo) destes eventos trágicos, reparamos que o debate principal não é sobre os incêndios nem sobre as falhas que precisam de ser corrigidas a fim de evitá-los no futuro. O debate, na verdade, é monopolizado pelo tema das alterações climáticas.

Note-se que não está aqui em questão a veracidade da ideia de que o ser humano contribui para a destruição do seu ecossistema, isso é mais do que óbvio. O verdadeiro problema nesta situação é que se está a tentar reduzir um problema a apenas um dos seus componentes, ignorando tudo aquilo que em Portugal já se experienciou em matéria de incêndios, nomeadamente as faltas óbvias do Estado tanto em relação à organização e fiscalização do espaço físico como na dura/eficaz penalização criminal dos elementos que o destroem. Novamente, é verdade que a sobrevivência da espécie humana dependerá da nossa capacidade para mudar alguns dos nossos hábitos a fim de preservar o nosso ecossistema, mas que se lembre que estas são mudanças que ocorrem a longo prazo e que dependem de iniciativas de grande investimento; por sua vez, os incêndios são preocupações atuais e periódicas que requerem medidas imediatas e constantes ao longo do ano. É surpreendente para alguém que desde criança se lembra de haver incêndios em Portugal em todos os verões assistir agora à culpabilização isolada da pegada ecológica humana por todo o incêndio e desastre que tenha vindo a ocorrer após o surgimento da vertente atual de ambientalismo.

O problema desta “redução” dos incêndios à questão das alterações climáticas é óbvio pois, tal como no passado, levará a que se negligencie fatores como o da falta de investimento na prevenção e combate dos incêndios (referida pelo comandante Mário Conde dos Bombeiros da Amadora) e a aplicação de uma lei pouco dissuasora contra incendiários que consumam a sua prática criminal.

Em suma, ao adotarmos a perspetiva de que “é tudo por causa das alterações climáticas” ignorando o resto, apenas desculpabilizamos o Estado nas suas falhas em relação à proteção do espaço físico português. E, deste modo, só perpetuamos o inferno estival.