Crónicas

Era um neo-jardinismo sem jardinismo, se faz favor…

1. Disco: Não sou pessoa complicada para arranjar amigos. Há deles, com que nem estive muito tempo, com quem facilmente crio cumplicidades. Vou sempre atrás da minha intuição em relação a quem conheço e muito raramente me engano.

Cada um de nós cria o seu “universo”. Com o tamanho e as vistas que quer. O meu é curto. Não ocupa muito espaço, ao contrário do “dono”. Sem sair muito da ilha, tenho o mundo na minha cabeça, que observo o melhor possível pelos meus “olhos rasgados”, como sugeria o Almada.

Tenho dois amigos que precisam de espaço. Duas pessoas que não apreciam a tacanhez que caracteriza muitos de nós. Por cá andaram e muito fizeram. O Nuno Filipe e a Cristina Vieira, peço imensa desculpa a quem possa ficar ofendido, estavam aqui a mais. E sabiam disso. Iam por vezes para o aeroporto, onde se sentavam a trabalhar, para fingir que iam de viagem. Precisavam de muito mais mundo físico que aquele que a ilha lhes podia dar.

Bendita a hora em que decidiram arrumar os seus pertences e partir para Berlim. Na última semana, em modo de avanço dos seus trabalhos de longa duração, ofereceram-nos dois temas: HUMMANA, “Carga”, da Cristina, que me fez ficar com os olhos rasos de lágrimas, e NUNO AND THE END, com, talvez (porque não conheço todas) a melhor versão que ouvi até hoje de “Space Oddity” do Bowie.

Não é só a música, os vídeos são de uma qualidade fantástica.

Os dois discos estão quase a sair. E eu sou um privilegiado. Bem hajam, meus queridos. Merecem o mundo porque fazem por isso.

PS: escrevi estas palavras com a televisão ligada, onde passava o debate mensal do Governo Regional na ALRAM. Acreditem que me apeteceu fazer as malas e partir para Timbuktu.

2. Livro: Vivi na Galiza por uma temporada. Aprendi a amar um povo que é como nós e fazia-me sentir em casa. A Fundação Francisco Manuel dos Santos publica, com alguma regularidade, pequenos livros sobre variadíssimos assuntos e a preços muito acessíveis. Um dos últimos foi “Galiza, Terra Irmã de Portugal”, de Ramón Villares. Uma breve resenha sobre o percurso que fizemos juntos, o afastamento, e este querer de hoje juntar forças para caminhar para o futuro.

3. A partir dos paços do Concelho do Funchal, começa a emergir uma espécie de neo-jardinismo que a todos devia preocupar. É um jardinismo na forma mas sem nada lá dentro. Uma espécie de cachorro-quente ‘vegan’, de rulote, às cinco da manhã e sem molhos, nem batata palha. Só pão e salsicha. Tudo acompanhado por uma laranjada que, pela cor, parece ter saído de uma filial da ECM em Chernobyl.

Até no próprio PSD, começa a ser motivo de preocupação. É ver a trapalhada (?) dos discursos na festarola no deslocado Chão da Lagoa.

Ao contrário de Albuquerque, Pedro Calado é politicamente inculto. E é também por isso que é neo, porque lhe falta a cultura de Alberto João Jardim para lhe poder suceder por inteiro. Foi à escola e anda na política há uma data de anos, mas ainda não percebeu nada. Rectifico, percebeu aquilo que a chico-espertice lhe permite perceber, percebeu que a defesa dos interesses de alguns grupos de pressão lhe convém, percebeu o fácil que é prometer tudo a todas as pessoas, usando do mais básico populismo.

Que ninguém se atreva a considerar o Presidente da Câmara do Funchal como um pascácio. Está muito longe de o ser. É arguto, esperto e dotado de uma inteligência prática muito grande. Como adversário não pode, em momento algum, ser menosprezado. Usa a falácia do espantalho, muito comum no argumentário do PSD, como ninguém. Falam-lhe de batatas e responde com máquinas de lavar louça, deixando umas suspeitas no ar sobre o posicionamento adversário, sobre um assunto que não é o debatido. Cai nisto quem quer e se deixa enrolar, por falta de jeito, na esparrela lamacenta que deixa no chão. A completa distorção do debate.

Tem, no entanto, uma característica muito comum à esmagadora maioria dos políticos desta terra: é preguiçoso e convencido de ser dono de uma verdade absoluta. Isso foi bem visível na campanha que o levou a presidência da capital: o seu programa para a cidade foi feito diariamente com o que prometeu a torto e a direito. Pedro Calado é como um martelo que pensa sempre que tudo são pregos, porque não serve para outra coisa.

Nunca conseguirá perceber que o passado é singular, o presente é fugaz e o futuro é plural. Para isso teria que levantar os olhos do umbigo e, ao fazê-lo, seria reconhecer a sua condição humana. Acertar no centro de um alvo é falhar o resto.

O exercício do poder, para alguns, tem a ver com um elemento construtivo da comunicação e para outros significa uma espécie de “eu é que sei e o resto são urtigas”. Se para uns se baseia na acção conjunta, para Calado e para o PSD Madeira, em geral, o poder tem relação com luta, uma espécie intensiva do seu exercício. Vinga sempre a tese, pois a antítese nunca presta, por isso, não há necessidade de ser realizada a síntese.

Não que na sua oposição directa esteja quem veja a política, e o seu exercício, de maneira diferente. São tão maus, uns como os outros. PSD e PS Madeira são as duas faces da mesma moeda. Não me canso de o dizer. Os socialistas laranja tudo fazem para se eternizarem no poder, são muitos os interesses em causa, os socialistas rosa têm uma enorme ânsia de poder. Conseguiram-no, fugazmente, quando venderam um sorriso pepsodente que seria a salvação de todos nós. Não era, não foi, nem será.

A um ano e uns meses das próximas regionais era bom que, parte de nós, começássemos a pensar nestas coisas. É o nosso futuro que está em causa. Miguel Albuquerque abalança-se para mais um mandato e o senhor que se segue será Calado. Não é altura de permitirmos que se mude algo para que tudo fique igual. Ou será que não aprendemos nada com as regionais de 2015 e 2019?

4. O desrespeito leva ao desrespeito. A arrogância leva à arrogância. O monólogo ao monólogo. E a violência à violência. Só nos falta chegar a este último passo.

5. Soltas:

O Governo Regional quis fazer um contrato no valor de 4 milhões de euros para serviços de impressão, cópia e aluguer de equipamentos. O Tribunal de Contas chumbou-o. Em boa hora.

O gasóleo aproxima-se a passos largos dos 2€/L.

Temos uma banana do caraças!

Na TAP vão aumentar os salários dos trabalhadores.

O PRR é para amamentar o Estado, não para quem gera riqueza.

O GR, cada vez que quer tomar decisões ou é preciso resolver qualquer coisa, contrata gabinetes externos de advocacia para o fazer, com os custos que isso tem, passando um atestado de incompetência aos juristas e advogados que para ele trabalham.

Rui Barreto numa entrevista disse que “só agora é que se começa a perceber o que é uma coligação”. Devemos ser todos burros. Só dois anos e meio depois é que começamos a perceber. Temos mais um ano e meio para perceber completamente.

Na Autonomia Socialista da Grande Laranja fiscaliza-se a concorrência.

Para os mais distraídos, no fim-de-semana houve Congresso do CDS.

Nos “good old US of A”, a decisão de 1973 conhecida por Roe v. Wade, caiu à mão de um Tribunal Constitucional onde prevalecem conservadores.

6. “Não existe verdade enquanto objecto que me é imposto. A verdade é também um caminho e uma vida, é uma conquista espiritual. A verdade concebe-se na liberdade e pela liberdade.” - Nikolai Berdiaev