Análise

A favor da eutanásia

Não podemos criminalizar a liberdade em saúde

Por que razão um doente em fase terminal e padecendo de enfermidade fatal e irreversível, causadora de dor atroz e violência psicológica não pode escolher como deseja passar o tempo que lhe resta? Na discussão sobre se deve ou não permitir-se a legalidade da morte medicamente assistida em Portugal há demasiado ruído político e teológico em torno de uma questão que é, para mim, individual e que apenas será executada a pedido e mediante o cumprimento de um conjunto de critérios muito específicos, com pareceres médicos vinculativos.

Haverá alternativas para quem deseje colocar um ponto final à sua vida? Com certeza que sim e ainda bem que assim é. Já muito se falou e escreveu sobre os cuidados paliativos e todos sabemos que não há nem haverá no futuro mais próximo uma rede de suporte que satisfaça todas as necessidades, sabendo-se que morrem mais pessoas do que nascem. Ninguém deve poder impor ou limitar a vontade expressa do cidadão livre, esclarecido e possuidor de capacidade psíquica, nesta matéria. É contranatura. Como qualquer cidadão adulto é livre de escolher se quer ou não receber tratamento médico para a sua doença. É isso que preconiza o testamento vital. E qualquer um pode escolher, livremente, a que tratamentos não quer ser sujeito. No limite, isso pode conduzir à morte, tema tabu e doloroso para a generalidade dos mortais, como é compreensível.

Quem opte pela eutanásia não é menos cristão do que o que escolhe carregar a sua cruz até ao fim. Cada um com a sua legitimidade. Aos que afirmam que o recurso à morte medicamente assistida é contranatura, podemos evocar uma série de exemplos de práticas que também o são, a começar pela interrupção voluntária da gravidez. E julgo que a grande maioria dos portugueses não deseja um retrocesso legislativo nesta matéria, apesar de muitos ainda considerarem que o aborto é utilizado como método contraceptivo. Não me parece.

Recuso-me a aceitar e a acreditar que a eutanásia seja usada como prática para combater o excesso de população, o envelhecimento ou a falta de meios e recursos do Estado para tratar de todos os seus doentes. Considero esse argumento falacioso, porque o que se pretende não é arranjar um caminho legal para a exterminação de pessoas.

Mas a eutanásia só é aceitável se em paralelo existir uma rede de cuidados continuados capaz e agregadora. O melhor de dois mundos? Sim! Ao doente, consciente, e só a si caberá a decisão final, ciente das consequências do seu acto. Ou será que essa decisão vai continuar apenas acessível aos que têm dinheiro para pagar uma deslocação à Suíça?

Mais importante do que tudo é zelar pela Saúde, proporcionar cuidados de excelência, apostar na prevenção da doença, através de uma rede de cuidados primários com cobertura total e mitigar as listas de espera. Mas não castrar a vontade de ninguém se a sua escolha for a eutanásia, perante a fatalidade.