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Regionalização dos Serviços de Registo

o Ministério da Justiça não tem cumprido as obrigações e responsabilidades

O Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma da Madeira, para além de outros princípios fundamentais, consagra um princípio segundo o qual a “regionalização de serviços e a transferência de poderes prosseguem de acordo com a Constituição e a lei, devendo ser sempre acompanhadas dos correspondentes meios financeiros para fazer face aos respetivos encargos”. Esta é uma base fundamental também tida em consideração quando se discute a transferência de poderes e de atribuições do Estado para as autarquias locais.

Em 2003, teve lugar a regionalização dos serviços de registo e notariado, tendo a Madeira assumido então a obrigação de entregar ao Governo da República, “a título de compensação pelas competências asseguradas pelo Ministério da Justiça”, uma percentagem de 30% da sua receita emolumentar ilíquida.

Passaram-se quase vinte anos e as circunstâncias que estiveram na génese desse quadro legal alteraram-se substancialmente. A Madeira, apesar de manter o grosso das suas competências, e de ter até assumido intervenção fundamental em matérias que se mantêm formalmente centralizadas, acabou por perder parte substancial da sua receita em procedimentos, essencialmente eletrónicos, quase automáticos, como é o caso das certidões eletrónicas, que, não obstante a sua evidente conexão regional, passaram a ser tramitados centralmente ou fora da Região, sendo a totalidade da receita diretamente absorvida pelo Governo da República.

Paralelamente, e no que diz respeito à Madeira, é evidente que o Ministério da Justiça não tem cumprido as obrigações e responsabilidades que mantém no quadro da regionalização de 2003 e que determinaram a fixação daquela percentagem a entregar ao Governo Central.

Ora, existe, por isso, atualmente, um grande desajustamento e injustiça que causam desequilíbrios que podem comprometer a qualidade de um serviço que deve ser sempre assumido como fundamental, não apenas numa perspetiva de serviço essencial a prestar ao cidadão, mas, também, pela sua importância estratégica nas nossas dinâmicas, designadamente de investimento, e pelo impacto que têm na nossa economia.

Creio que nesta, como em tantas outras matérias que dizem respeito às regiões autónomas, é tempo de avançar de uma forma incisiva, com alterações legislativas muito claras, justas e equilibradas. É tempo de avançar de uma forma serena e natural, sem receios, sem medos, sem complexos e sem melindres.

Parece-me, pois, por isso, muito oportuna a iniciativa legislativa já aprovada na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira que, mantendo o desafio da transição digital, visa precisamente a revisão das percentagens de receita a atribuir ao Governo da República, bem como a concentração na Madeira dos registos com conexão regional, tal como acontece já ao nível do registo comercial.

Neste processo, temos de ser muito hábeis, por forma a que possamos, simultaneamente, criar condições financeiras para um maior investimento regional num serviço de grande qualidade, sem que, com isso, o Governo da República se sinta desonerado daquelas que são as suas obrigações num serviço com padrões nacionais e com um envolvimento e impacto nacional que não pode ser desconsiderado.