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Regresso de Juan Carlos a Espanha cria polémica e divide partidos

Foto Arquivo
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O regresso de Juan Carlos a Espanha para uma visita de cinco dias depois de quase dois anos "exilado" volta a criar um intenso debate político no país sobre a sua figura, assim como o papel da monarquia.

Juan Carlos pisa o solo espanhol esta tarde, depois de ter passado 655 dias em Abu Dhabi (Emiratos Árabes Unidos), o país para onde se mudou numa decisão histórica, na sequência da controvérsia causada pelos relatos dos seus negócios no estrangeiro e da decisão da Procuradoria do Supremo Tribunal de Justiça de o investigar.

Depois da decisão em 02 de março passado do Ministério Público de encerrar o caso, o rei emérito escreveu ao filho, Felipe VI, cinco dias depois, para expressar o seu desejo de regressar a Espanha e "lamentar sinceramente" a forma como conduziu a sua vida privada.

No dia seguinte à divulgação da carta, o primeiro-ministro socialista espanhol, Pedro Sánchez, insistiu que, na sua opinião, Juan Carlos devia dar uma explicação ao povo espanhol pelas suas atividades económicas que o colocaram no centro das atenções da Justiça e que considerou serem "dececionantes".

A porta-voz do executivo espanhol, Isabel Rodríguez, disse esta semana, depois de saber que o rei emérito iria viajar para Espanha, que as "considerações" feitas pelo chefe do executivo "são tão válidas hoje como eram ontem", deixando claro que o Governo nada tem a dizer sobre a "decisão pessoal" de Juan Carlos de visitar o país.

A secretária-geral adjunta do Partido Socialista (PSOE), Adriana Lastra, afastou hoje qualquer envolvimento do Governo no regresso do rei emérito a Espanha, que considerou tratar-se de uma decisão pessoal que "nada tem a ver" com o executivo e sobre a qual "só a Casa Real se pode exprimir".

"A informação que temos tido nos últimos anos sobre Juan Carlos "é muito preocupante [...] para a instituição [monárquica]", disse hoje a ministra da Economia e número dois do Governo, a socialista Nadia Calviño, acrescentando: "Creio que ele terá de dar explicações sem qualquer dúvida".

O antigo monarca deverá chegar a Sanxenxo, na Galiza, esta tarde, para participar numa regata de barcos à vela este fim-de-semana em que o "Bribon", o iate em que foi campeão do mundo em 2017, irá participar.

O presidente do Partido Popular (direita), o principal da oposição, Alberto Núñez Feijóo, manifestou esta semana o seu apoio ao regresso do rei emérito, porque já não tem "casos pendentes", pelo que tem "todo o direito de visitar Espanha".

Feijóo também acusou o PSOE e o Unidas Podemos (extrema-esquerda), parceiros no Governo minoritário, de "corroer" mais uma vez o Estado espanhol, aproveitando esta viagem do Rei Juan Carlos.

Os principais críticos de Juan Carlos e da instituição monárquica são os partidos de extrema-esquerda e as muitas formações regionais, principalmente as de cariz nacionalista e independentista, que têm-se feito ouvir, principalmente pela sua presença assídua nos órgãos de comunicação social.

A número três do executivo e segunda vice-presidente, Yolanda Díaz, do Unidas Podemos, reafirmou hoje que o rei emérito deve prestar contas aos espanhóis após o seu comportamento "claramente questionável", considerando necessário dar explicações para a própria "dignidade" da Casa Real.

Por seu lado, a porta-voz do governo regional catalão, que defende a independência desta comunidade autónoma, criticou esta semana que Juan Carlos tenha "impunidade vitalícia garantida", por considerar ser uma "injustiça" que ele possa regressar a Espanha, ao contrário dos apoiantes pró-independência, que são "reprimidos e estão exilados".

Sujeito a revelações da imprensa cada vez mais comprometedoras sobre o seu estilo de vida e fortuna oculta, Juan Carlos abandonou Espanha a 03 de agosto de 2020 para iniciar um "exílio" dourado nos Emirados Árabes Unidos.

Esses casos levaram o atual rei de Espanha e filho de Juan Carlos, Felipe VI, a anunciar em março de 2020 que renunciava a qualquer futura herança a que tenha direito do seu pai e que também lhe retirava as ajudas de custo anuais que este recebia.

Juan Carlos, agora com 84 anos, tornou-se rei em novembro de 1975 e foi o chefe de Estado espanhol até à sua abdicação, a favor do filho, em junho de 2014, tendo tido um papel central, no final da ditadura de Francisco Franco, para a transição de Espanha para um Estado democrático.

Na segunda-feira, Juan Carlos irá a Madrid para se encontrar com o filho, o Rei Felipe VI, a Rainha Sofia e outros membros da sua família no Palácio da Zarzuela, nos arredores da capital espanhola, e no mesmo dia está previsto o seu regresso a Abu Dhabi, onde "fixou residência de forma permanente e estável".

O regresso a Espanha após quase dois anos exilado em Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos) faz parte do desejo do rei emérito de "viajar frequentemente a Espanha para visitar a família e amigos, e organizar a sua vida pessoal e o seu local de residência em âmbito de caráter privado", acrescenta um comunicado da Casa Real publicado na quarta-feira.

Juan Carlos vive em Abu Dhabi desde agosto de 2020, após um escândalo financeiro relacionado com o suposto recebimento de alegadas comissões milionárias para as obras do comboio de alta velocidade para Meca (Arábia Saudita), entre outros casos, que já foram arquivados pela Justiça espanhola.

No domingo passado, Felipe VI falou com o seu pai por telefone e ambos combinaram encontrar-se em Madrid, quando o rei emérito se deslocasse a Espanha.

A Procuradoria Anticorrupção espanhola arquivou em 02 de maio passado os casos que tinha em aberto, um sobre o alegado recebimento de 65 milhões de euros em comissões para a construção do comboio de alta velocidade Medina-Meca, outro sobre alegadas doações não declaradas e um terceiro sobre suspeitas de ter escondido fundos em paraísos fiscais.