Análise

O “baixo grau de coragem política”

Não serão os miseráveis e os que de tudo se queixam que nos tornarão robustos

O “baixo grau de coragem política” atribuído por Cavaco Silva a António Costa peca por defeito numa sociedade excessivamente permissiva, como se a eventual falta de lucidez, de intervenção atempada e de ímpeto reformista fosse um exclusivo do primeiro-ministro a quem os portugueses deram, recentemente, uma surpreendente, mas inequívoca maioria.

O “baixo grau” na política é bem mais generalizado do que julga o ex-presidente. São muitos os que embriagados com os rendimentos líquidos da colheita eleitoral desperdiçam o tempo e o espaço com os expedientes tradicionais, satisfazendo egos, clientelas e alucinações. Uns, conformados com as migalhas do poder, julgam-se intocáveis e imunes, e metem na agenda diária os reles ajustes de contas com o mundo discordante, como se não existissem compromissos inquestionáveis. Outros, acometidos de preconceitos incuráveis, teimam em não perceber princípios básicos da dinâmica colectiva, de que são exemplo os factores que presidem à formação de preços e as especificidades dos mercados. Uns, desfocados do essencial, deliciam-se com périplos inconsequentes, comunicados ridículos, queixinhas para entreter organismos de utilidade duvidosa, discursos hilariantes, promessas de toda a ordem e caprichos onerosos. Outros, avessos ao diálogo, fazem de convicções infundadas bandeiras nas quais os principais interessados não se revêem.

A tarefa até nem era impossível ou hercúlea. Aos governos exige-se elevada capacidade de garantir que os cidadãos, pelos quais devem zelar de forma permanente e não só quando há eleições, possam viver melhor. Às oposições, que também não deviam esquecer a causa existencial, recomenda-se superior atenção aos programas submetidos a sufrágio, escrutínio regular e ético da gestão da coisa pública e pacto sério com a verdade.

O que se vê nos dois lados da barricada doméstica é por vezes uma alarmante passividade, ora composta por calculistas que não desenvolvem de forma transversal, ora por fundamentalistas que se dedicam a empatar tudo o que mexe. Em linguagem pascal, abunda por aí uma espécie de discípulos do definitivo que procura entre os mortos quem está vivo, o que é deveras eloquente do estado a que Região chegou.

Por muito profano que possa parecer, esperamos todos por razões objectivas que nos levem a gritar bem alto por um ‘Aleluia’ que tarda em vários domínios da vida em comunidade, que se quer mais globalmente próspera e menos refém de interesses particulares.

Para que tamanho propósito se concretize, o nível de coragem política - que não se mede pelo espalhafato mediático, pela utilização abusiva da liberdade consagrada em proveito próprio ou pela inconcebível iliteracia em áreas decisivas – terá que subir. Não serão os miseráveis e os que de tudo se queixam que nos tornarão robustos, embora a ignorância atrevida continue a vaticinar que faz parte activa e decisiva da equação.