Cristiano, beber a cicuta até o fim

Cristiano deu uma entrevista e criticou a estrutura do Manchester. Olha, está no fim de carreira, disseram. Tempos depois, foi reconhecido publicamente que a governance do clube inglês não se adequa à sua dimensão.

Cristiano foi convocado para o Mundial. A conclusão é que era necessário. Cristiano foi para o banco. Cristiano para o banco é uma contradição com ter ido. Não por estar no banco, mas por ser Cristiano o melhor do mundo.

Ultrapassei a contradição pensando que havia uma estratégia, ao menos uma tática, de enquadrar a sua etapa atual, em nome de Portugal, da sua seleção. Veio o resultado 6-1. Talvez é isso mesmo, há uma estratégia.

Marrocos: a vitória não é merecida, a derrota da seleção muito menos. Quer em termos objetivos, o jogo jogado, a arbitragem, quer o azar, as bolas à trave, faz parte, é o futebol. O que não “faz parte” é termos uma plêiade de jogadores à espera de um Pirandello que as salve porque merecem ser salvas, não tanto pelo País, que as merece, mas por elas próprias, pelo futebol, que é o texto desportivo em que estas personagens se movem em nome do público, do país e do Mundo. Mas, tal como no texto de Pirandello, SEIS PERSONAGENS À PROCURA DE UM AUTOR, há quem recuse a batuta do diretor da peça. E quem? Adivinha! Pois é, quem sabe que sabe como chegou onde chegou. Quem sabe que chega onde quer, tendo um rumo. Não há bom vento quando não se sabe para onde se vai – Cristiano.

Noutro tempo, e noutra área, nada a ver, o chato, palavra que abomino, por haver outros bem mais maviosas na sonoridade, mas aqui, ela aplica-se com exatidão, está a ver, houve alguém que não concordava com ninguém, nem com o seu primeiro-ministro nem com os EUA, nem com o seu parlamento, nem com a sua bancada, disse NÃO. E ganhamos a II Guerra Mundial.

Parágrafo à parte, Cristiano discordou, mas aceitou sentar-se. Não devia? Senão mesmo! Neste país onde o respeitinho é muito bonito, o que aconteceria, como aconteceu, o que estava escrito que aconteceria, quem seria o responsável?

Cristiano bebeu a cicuta até o fim. Ele que tem mais sabedoria, de um saber de experiência feito, que muitos catedráticos de Filosofia e que leu o Filósofo nas paginas da vida, sabia, com dor, o fim. Depois da espuma helvética, vieram as pedras das plagas africanas. E foi o naufrágio.

Só, recolheu-se aos balneários, e passou a mensagem. Temos marinheiros, mas falta um comandante.

Miguel Fonseca