Mundo

Famílias e amigos separados no Brasil numa polarização que não acabará no domingo

None

A crispação política no Brasil personificada por dois blocos antagónicos provocou um rasto de destruição na sociedade brasileira e infetou famílias e amigos numa polarização que não acabará no domingo.

Um rutura na sociedade que teve como gatilho a onda de protestos em 2013 contra a Presidente brasileira Dilma Rousseff, que se agudizou com os escândalos de corrupção que vieram à tona, que cresceu com a prisão de Lula da Silva, que explodiu com a vitória e os consequentes quatros anos no poder de Jair Bolsonaro e que culminou agora com a luta presidencial entre dois nomes altamente populares.

Vitor Kenzo Souza, de 19 anos, é um dos vários exemplos que devido às suas escolhas políticas foi retirado do grupo de WhatsApp da família.

"Me tiraram do grupo, meus parentes distantes, meus primos distantes me tiraram porque meu voto acaba sendo no Lula. Me tiraram do grupo de WhatsApp e eu não lembro de ter sido chamado para algum evento de família nestes últimos tempos", contou à Lusa, em São Paulo.

Kaique Nascimento Santos, de 18 anos, residente em São Paulo, vivenciou uma experiência semelhante. No lado materno votam em Lula da Silva, enquanto no lado paterno há dois primos que preferem Jair Bolsonaro.

"Não gosto de briga, sou uma pessoa que não briga por política, mas um dia tive que intervir porque os meus dois primos 'bolsonaristas' causaram uma discussão muito grande no grupo da família. Um primo e meu tio discutiram no WhatsApp, houve um desrespeito muito grande", começou por contar.

"No grupo da família todo mundo mandava informações sobre os candidatos, mas ninguém respondia. Num dia específico começou uma briga generalizada. Uma discussão séria com muito desrespeito. Isto abalou a família. O Meu tio saiu do grupo, o meu primo saiu do grupo, e não teve mais almoço em família. Ficou um clima bem chato", relatou.

Em Brasília, cidade da residência oficial do futuro Presidente brasileiro, Roberto Oliveira, conta que a família da sua mulher vota maioritária em Bolsonaro e o seu lado em Lula da Silva. Resultado: deixou de haver almoços.

"Não existe isso mais", conta o homem de 57 anos do ramo fotovoltaico.

"Nós temos uma viagem programada para [a cidade de] Natal, para casa da minha sogra, e essa viagem a gente está para cancelar por vai lá chegar num clima super estranho", completou.

Uma sondagem divulgado há um mês por parte do Instituto Datafolha indica que quase metade dos brasileiros diz ter deixado de falar com amigos ou familiares sobre política para evitar discussões nos últimos meses e quase 35% não revela as suas preferências políticas em locais públicos, ou a desconhecidos.

Estas questões familiares, como em toda a sociedade, entraram também em casa de personalidade bem conhecidas do público brasileiro.

Leonardo, um conhecido cantor de sertanejo, marcou presença na semana passada num almoço organizado por Jair Bolsonaro, com as principais estrelas musicais do sertanejo do país que lhe prometeram apoio em nome da família, do interior e do agronegócio.

O seu filho, um conhecido 'influencer' brasileiro, reagiu de imediato nas redes sociais dizendo estar enojado com o seu pai.

"Diante de todos os últimos escândalos envolvendo o atual mandatário ver alguém tão importante para mim declarar apoio dessa forma me enoja. É tanta ignorância que nem sei", afirmou João Guilherme.

"Votar em Lula não te envergonha? Pois deveria", escreveu a mãe da atriz Giovanna Lancellotti depois da atriz declarar o voto em Lula.

Outro dos muitos casos conhecidos entre famílias de personalidades brasileiras é o da atriz Regina Duarte, uma fervorosa apoiante de Bolsonaro, e da sua filha, também atriz, Gabriela.

Gabriela conta mesmo que no período em que a sua mãe assumiu o cargo de secretaria Especial da Cultura chegou a receber ameaças. "Uma coisa posso afirmar, nós somos muito diferentes em muitas coisas", afirmou Gabriela, durante uma entrevista em 2021.

"Eu entendo que exista uma associação, até mesmo pelo trabalho. É uma coisa que eu poderia ter feito o movimento de separação antes, talvez me expondo mais", acrescentou.

Nos bares, locais de entretenimento, lazer e restaurantes a situação a semelhante. Daniel, um brasiliense de 34 anos, conta à Lusa que dependente do lugar escolhido pelos seus amigos decide se vai ter com eles ou não.

"Se me chamam para o Pontão do Lago Sul [um paredão de restaurantes em frente ao Lago Paranoá] sei que vai ter ambiente bolsonarista", explica, acrescentando que agora se o convidam para rodas de samba já não vai porque acabam por se tornar "num comício do PT".

Kaique Nascimento Santos não se mostrou nada confiante de que este clima se altere a partir de domingo: "Se o Lula [da Silva] for eleito Presidente todo mundo ficará de olho nele por causa do passado. Se ele for Presidente qualquer deslize já vai ser suficiente para os 'bolsonaristas' reclamarem. E se for o Bolsonaro [eleito] serão mais quatro anos na luta porque eu, como muitas pessoas, concordo mais com o Lula da Silva do que com o Bolsonaro".

Roberto Oliveira, ligeiramente mais esperançoso, atirou: "Pode ser que flexibilize"

Luiz Inácio Lula da Silva venceu a primeira volta das eleições com 48,4% dos votos e Jair Bolsonaro recebeu 43,2%, pelo que os dois candidatos terão de se enfrentar numa segunda volta marcada para domingo.