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Economia vai continuar recuperar após abalo da crise, mas faltam mudanças profundas

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Foto Shutterstock

A economia portuguesa vai continuar a recuperar nos próximos meses, atingindo níveis pré-pandemia entre inícios e meados de 2022, apesar de o turismo continuar frágil, mas mudanças profundas continuam por fazer, segundo economistas contactados pela Lusa.

Segundo Bruno Fernandes, do Departamento de Estudos do Santander, "mais importante do que atingir os níveis de 2019", o que deverá acontecer em meados de 2022, é a forma como a economia lá chegará, considerando que os motores do crescimento serão completamente distintos dos que suportaram a recuperação após a crise financeira e das dívidas soberanas.

Agora, a recuperação deverá ser mais forte nos setores de produção industrial e construção e mais lenta nos setores dos serviços, mais impactados pela crise da covid-19, desde logo turismo, afirmou.

Também a economista-chefe do BPI, Paula Carvalho Gonçalves, espera que a "economia continue gradualmente a melhorar, à medida que as restrições vão sendo aliviadas, aproximando-se progressivamente dos níveis pré-pandemia", suportada também pelos apoios da política orçamental, pela política monetária expansionista e pelos fundos europeus.

O consumo privado e investimento melhorarão, até porque as famílias acumularam poupanças e estão favoráveis quer os níveis de confiança quer o ambiente financeiro, e também as exportações de bens deverão ser positivas. Já a melhora no turismo será de forma mais "gradual".

Também o economista-chefe do Montepio, Rui Serra, antecipa a "continuação da recuperação da economia, nomeadamente com os setores mais afetados pelas medidas restritivas adotadas desde o início da pandemia a convergirem, gradualmente, com os níveis pré-pandemia".

Para isso, o desconfinamento será "absolutamente fundamental", e não só em Portugal. Também nos países emissores de turistas, pois "serão determinantes para que o setor do turismo se recupere melhor", disse.

Segundo o Montepio, o Produto Interno Bruto (PIB) deverá atingir níveis pré-pandemia (do quarto trimestre de 2019) no início de 2022.

O professor catedrático de economia José Reis também espera que no curto prazo os indicadores económicos melhorem, como PIB, taxa de desemprego, investimento, suportados por mais investimento, quer público quer privado.

Contudo, o também diretor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra considera que ficam por resolver problemas graves da economia portugueses, caso da "sobrespecialização" a setores de baixa qualificação e baixo valor acrescentado, seja no turismo seja também na indústria.

"Criou-se emprego, mas a vulnerabilidade da economia é muito forte. Há muitas áreas da indústria que são sobretudo de inserção em cadeias de valor internacional, como montagem no setor automóvel, nas bicicletas, no setor elétrico, eletrónico", afirmou.

Das exportações portuguesas, apenas 55% é valor acrescentado nacional, enquanto em 45% é referente a incorporação de importações, o que leva a que Portugal sempre tenha tido a balança comercial de bens deficitária mesmo quando a balança comercial se equilibrou ou teve mesmo excedentes, afirmou José Reis.

Outro dos problemas graves da economia portuguesa, considera o professor de economia, é a baixa qualidade do emprego, com elevada precarização e baixos salários, associado a baixas qualificações e até baixas escolarizações.

Ainda assim, vê como positivo que haja mais investimento na administração pública, na saúde pública e na educação pública, pois "isso ajuda e sempre ajudou a economia".

Quanto ao Orçamento do Estado para 2022, cuja proposta o Governo tem de entregar no parlamento até meados de outubro, os economistas não esperam para já grandes surpresas e consideram que mais importante é transformar a economia portuguesa para lhe dar mais valor.

Paula Gonçalves Carvalho diz que o Orçamento deverá ser feito "sem grandes novidades, em linha com o Plano de Estabilidade apresentado em abril e com os vários planos de médio prazo formulados no âmbito do novo quadro comunitário de apoio".

Rui Serra recordou o forte aumento do défice em 2020 devido à crise pandémica, quer pelo aumento da despesa, quer pela redução da receita, e os constrangimentos das contas públicas ainda este ano (pressionadas pelo confinamento do início do ano e a continuação dos apoios a empresas e famílias) para considerar que, perante o forte aumento da dívida pública, "o ano de 2022 terá que fazer o equilíbrio entre a consolidação das finanças públicas (nova redução do défice em 2021) e a continuação do apoio aos setores mais afetados pela crise".

Já Bruno Fernandes considerou que, mais do que o Orçamento do Estado, o importante é que a longo prazo os fundos europeus sejam bem usados "no processo transformação da economia portuguesa para que esta se torne mais competitiva".

Sobre o Orçamento, o professor José Reis disse que tem como pressuposto de que não haverá austeridade, apesar da "ortodoxia orçamental" europeia, pois Portugal "tem a obrigação de ter aprendido tudo sobre a carga destrutiva da austeridade", pelo que o que será fundamental é ver como correrá todo o processo orçamental, incluindo a execução orçamental.

"Precisamos de agilidade orçamental em várias áreas", disse, dando como exemplo a necessidade de carreiras de médicos e enfermeiros devidamente estruturadas e a melhoria da capacidade organizacional do Serviço Nacional de Saúde. José Reis defendeu ainda que é urgente rever a legislação laboral.

"Aprendemos que temos excelente capacidade de resposta pública a grandes problemas e temos grandes fragilidades do setor privado, repousa demasiado sobre salários baixos, protecionismos legislativos, a começar pelos laborais, e grande preguiça organizacional que leva a níveis de produtividade baixíssimos das nossas empresas", afirmou.