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Assaltos de Carnaval!

Não faço ideia se já ouviram falar ou se recordam os “assaltos de carnaval”, por volta dos anos 60, 70, ou até antes disso ... uma forma muito “sui generis” e madeirense de divertimento nesta época festiva, contrastando de certo modo com o actual carnaval, organizado, que assim se desenvolveu na nossa ilha, tornando-se natural e fácilmente numa quadra carnavalesco-turístico-festivaleira regional, com muita participação, com muitas troupes organizadas, algumas delas com banda própria.

Os chamados “assaltos de carnaval” eram organizações, iniciadas ou combinadas na mesa do café da manhã, para programar divertimentos e convívios entre grupos de famílias e de amigos, que, mascarados de “trapalhão” ou disfarçados com rigor - secretamente autorizados pelo dono da casa a assaltar - invadiam de rompante, numa hora combinada durante a noite, essa dita casa selecionada, para a qual levavam, como agradável surpresa, uma catrafada de iguarias, ... doces e salgados, ... e uma boa garrafeira! Fica claro que só um residente da casa sabia do assalto, ... e depois teria de se mostrar surpreendido, como se nada soubesse do acontecimento. As casas eram escolhidas a dedo, porque deviam possuir espaços com áreas suficientes - para acomodar a invasão das dezenas de foliões - com mesas, cadeiras, música e até instalação sonora, com microfones e tudo o mais. No momento do assalto haviam sempre cenas caricatas, acidentais e inesperadas no início da festa ... por exemplo, quando o cão de guarda da casa tentava cumprir o seu dever, ... e mordia as pernas e os trajes coloridos dos “assaltantes” mascarados. Haviam concursos, desfiles e prémios para os melhores e para os piores disfarces ... cumprindo sempre, os melhores princípios democráticos ... da época. Embora ninguém percebesse nada sobre democracia! Os assaltos de carnaval eram um “must” do nosso carnaval regional, muito típico e puro, muito natural e divertidíssimo, ... que durava até ... até acabar a bebida ou a comida ... ou o equilíbrio!

Como sabem... diz-se que no Carnaval, ... ninguém leva a mal ... e assim nestes assaltos, apelidar alguém de “careca”, porque não tem cabelo, chamar “gordo”, porque era obeso, ou então de cigano ... quando vestido todo de preto ... não era, nem xenofobia, nem discriminação, nem tão pouco racismo! Estávamos todos entre amigos e familiares, ... e vivíamos ao sabor dos “bons ventos” anti-democráticos do salazarismo, apesar da triste e devastadora guerra ultramarina. Como nessa altura não havia NET, tudo decorria ás mil maravilhas, sem comparação alguma com a actualidade e com o “modus vivendi” do nosso século XXI! Nesses belos tempos de outrora ... sem NET, sem REDES SOCIAIS, sem TELEMÓVEIS, ninguém saberia ou falaria da Covid, do Trump e do Capitólio, do Bolsonaro e da Amazónia, do Kim Jong-un ... e claro está, nem do Face-Book, do Intagram ou do Tik Tok! Esses saudosos tempos, eram vividos, construindo os ambientes, com imaginação própria e empirismo, sustentados no equilíbrio da nossa massa encefálica, nem sempre com a verticalidade desejada, mas com muita seriedade, educação e respeito mútuo. E com lemas do género: - Trabalho é Trabalho! Festa é Festa! Mas, mesmo no mais entusiasmante momento da festa, ... era proibido cobiçar a mulher do próximo, especialmente, se o próximo estivesse muito próximo! Paralelamente aos assaltos, haviam grandes festas de carnaval nos principais hotéis da cidade - cada hotel escolhia o seu dia - no sábado era no Savoy, segunda-feira no ex - Sheraton, actual Pestana Carlton e terça-feira era no Reid´s ... onde se juntavam os madeirenses e os turistas visitantes, mascarados ou vestidos com smoking tradicional, enchendo os salões numa grande festa animada e divertida ... até ao dia clarear! Tudo podia acontecer nestas festas muito selectas dos hotéis, com troupes de foliões madeirenses, genuínos, desfilando nos concursos ... com temáticas muito interessantes e deveras culturais, tais como: “Adão e Eva no Paraíso”, “Bananas” ou “Coelhinhas da Playboy”. Hoje tudo isso seria impossível, com os custos das licenças necessárias: “ autorização da ARAE”, “registo criminal”, “visto do Tribunal de Contas”, “boletim de vacinas”, “Prova de inexistência de dívidas á S.S.”... entre aquelas que me lembro.

Mas com muita pena, este ano estarmos confinados e sem descortinar a data do desconfinamento! Assim sendo, teremos este ano apenas e só, um Carnaval Virtual !

Por hoje é tudo!

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