Crónicas

Carta ao Pai Natal

Corria o ano de 2003 quando parti do Porto Moniz para Lisboa. Tive o privilégio de estrear o ensino secundário no meu concelho, por consequência fui dispensado de fazer “escala” no Funchal. Directamente do meu cantinho na Madeira para a Cidade Universitária. Desses tempos e vivências muito ficou e hoje partilho um pouco dessa viagem fazendo uma ponte com a Madeira de hoje. Se pudesse escolher algo para trazer de Lisboa comigo, uma e uma só coisa, sem dúvidas era a Cinemateca. Sem exagero, passei centenas de horas por lá. Vi filmes do cinema mudo com acompanhamento ao vivo de piano, ante-estreias, os clássicos, cinema português, europeu, americano, asiático, documentários, etc… Só me arrependo de não ter passado ainda mais tempo por lá, descobrir mais e mais cinema.

Estamos na época do Natal e resgato o início de “Fix You” dos Coldplay para constatar que é também de “ (…) quando recebes o que queres, mas não o que precisas ”. E assim escrevo na esperança de que o Pai Natal leia estas linhas. O meu desejo para a Madeira é ter uma Cinemateca. Sem as dimensões da existente em Lisboa, mas com espaço museológico aberto ao público, quem sabe com uma livraria especializada e um café agradável para passar a tarde/noite. Uma sala de cinema pequena e intimista pode ser o modelo a seguir, como a Luís de Pina (47 lugares) uma das duas salas da Cinemateca, reaberta agora em Novembro. Existe um espólio vasto de equipamentos e outros objectos que pode e deve ser partilhado por Lisboa com o resto do país. Existem filmes que podem e devem chegar a todos e não se limitarem ao percurso entre Bucelas (onde existe o ANIM - Arquivo Nacional das Imagens em Movimento) e a Barata Salgueiro ou o Palácio da Foz (Cinemateca Júnior) onde são exibidos.

É compreensível que se tenha que ir a Lisboa para ver os “Painéis de São Vicente de Fora”, os coches do D. João V ou a Torre de Belém porque está bem fundeada e custa levar até à Madeira. Não é compreensível que se possa vir a invocar dificuldades logísticas para transportar as cópias de filmes ou programar exposições permanentes ou temporárias (com algumas condicionantes, claro), impedindo o cumprimento da missão de “salvaguarda e a divulgação do património cinematográfico” também na Madeira. Por exemplo, no dia 24 de janeiro de 2008 foi replicada na Cinemateca a primeira sessão de cinema que se fez na Madeira (15 de Maio de 1897), contou inclusive com a presença do então Secretário Regional da Educação Dr. Francisco Fernandes. Eu tive a oportunidade e aproveitei para também lá estar e (re) viver esse acontecimento histórico, mas e depois? Voltou tudo para Bucelas…não sei se de lá voltou a sair, desconheço. Nessa noite foi também exibido o documentário da inauguração do monumento do Terreiro da Luta (1927) e o filme “As ilhas encantadas” (1965), rodado na Madeira, protagonizado pela Amália e produzido pelo nosso António da Cunha Telles.

Pai Natal, bem sei que o que te peço é o que quero não o que preciso, que há outras prioridades, maiores necessidades. Mas cultura e educação também são importantes. As escolas são bem-vindas à “minha” Cinemateca, os adultos podem descobrir mais e melhor cinema e até os turistas mais seniores podem reviver matinés da sua juventude.

Do alto da Vigia, um Feliz Natal para todos.