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Etiópia rejeita investigação da ONU sobre possíveis crimes de guerra no país

Foto: TPLF. EPA/STR
Foto: TPLF. EPA/STR

A Etiópia rejeitou hoje a resolução do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas para a investigação de abusos de direitos humanos por todas as partes no conflito entre o governo e os rebeldes na região de Tigray.

A posição etíope foi expressa em comunicado pelo Ministério dos negócios Estrangeiros, no qual enfatiza que as autoridades "não vão cooperar com o mecanismo estabelecido [e que consideram] imposto contra seu consentimento".

"Esta ação de alguns no Conselho é uma tentativa de encontrar uma forma alternativa de se intrometer nos assuntos internos de um Estado soberano e serve apenas para agravar a situação no terreno", prossegue o Governo etíope.

Por essa razão, a Etiópia rejeita "categoricamente" o resultado "politicamente motivado" da sessão especial realizada hoje em Genebra pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a guerra no país no Corno de África.

A criação da comissão internacional, que vai designadamente investigar se foram cometidos crimes de guerra e crimes contra a Humanidade no conflito iniciado em 04 de novembro de 2020, "mina a confiança no trabalho do Conselho e, mais importante, a integridade territorial, a soberania nacional e a independência política da Etiópia", lê-se na nota.

"Chega de padrões duplos. Chega de medidas coercivas unilaterais. E chega de interferências nos assuntos internos sob o pretexto dos direitos humanos", acrescenta-se no documento.

A resolução, proposta pela União Europeia (UE), foi aprovada com 21 votos a favor, 15 contra e 11 abstenções.

Entre outros, os países membros do Conselho da UE, que foram os que convocaram a sessão de emergência sobre a Etiópia e redigiram o projeto de resolução, votaram a favor, enquanto China, Cuba, Eritreia, Rússia e Venezuela votaram contra.

A resolução exorta todas as partes em conflito a interromper os ataques a civis, a levantar os obstáculos à chegada de ajuda humanitária e a negociar um cessar-fogo.

A comissão de investigação, que terá um ano para efetuar o seu trabalho, será composta por três peritos.

A guerra eclodiu em 04 de novembro de 2020, quando o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, prémio Nobel da Paz em 2019, enviou o exército federal para Tigray com a missão de retirar pela força as autoridades estaduais da Frente Popular de Libertação de Tigray (TPLF, na sigla em inglês) que vinham a desafiar a autoridade de Adis Abeba há muitos meses.

O pretexto específico da invasão foi um alegado ataque das forças estaduais a uma base militar federal no Tigray, e a operação foi inicialmente caracterizada por Adis Abeba como uma missão de polícia, que tinha como objetivo restabelecer a ordem constitucional e conduzir perante a justiça os responsáveis pela sua perturbação continuada.

Abiy Ahmed declarou vitória três semanas depois da invasão, quando o exército federal capturou a capital estadual, Mekele. Em junho deste ano, porém, as forças afetas à TPLF já tinham retomado a maior parte do território do estado do Tigray, e continuaram a ofensiva nos estados vizinhos de Amhara e Afar.

O conflito na Etiópia provocou a morte de vários milhares de pessoas e fez mais de dois milhões de deslocados, deixando ainda centenas de milhares de etíopes em condições de quase fome, de acordo com a ONU.

Uma investigação conjunta do Alto Comissariado das Nações Unidas e da Comissão Etíope dos Direitos Humanos, criada pelo Governo etíope, concluiu no início de novembro que foram cometidos crimes contra a Humanidade por todas as partes envolvidas no conflito, em que participaram o exército da Eritreia, ao lado do exército federal etíope, assim como forças insurgentes do estado da Oromia, ao lado dos rebeldes da TPLF.

Em 02 de novembro, o Governo etíope declarou o estado de emergência, o que suscitou "preocupações significativas em matéria de direitos humanos", já que levou à detenção de milhares de etíopes, incluindo pessoal da ONU e jornalistas, segundo a vice-alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Nada al-Nashif.