Análise

O Nobel da liberdade

O Prémio Nobel da Paz atribuído a dois jornalistas dá cabo das narrativas de alguns poderes

A filipina Maria Ressa e o russo Dmitry Muratov foram distinguidos com o Nobel da Paz 2021. Por serem jornalistas e activistas. Por noticiarem abusos do poder e não darem tréguas à corrupção.

Ambos têm rosto e dão a cara. Não são produtores de ‘fakes’, nem se refugiam em facilidades. Têm pacto com a verdade e dispensam fontes duvidosas. Não ajustam contas com prevaricadores e só pedem transparência, convictos que “não existe democracia sem liberdade de expressão”.

Um dos nossos colaboradores escreveu-nos, entusiasmado, por considerar que o Nobel da Paz deste ano é “extensível a todos os jornalistas que pugnam pela divulgação e defesa do direito, e respectivos deveres, a uma informação fidedigna”. “E, sentir-me colaborador dessa defesa num DIÁRIO que tem o mesmo objectivo é motivo de orgulho e agradecimento”, sublinhou.

As sábias palavras de Pedro Melvill Araújo são também uma distinção que partilhamos com todos os que ainda sentem que jornalismo é essencial numa sociedade cada vez mais exposta a delinquentes sem rosto e a narrativas sem pruridos, que tentam enfraquecer um dos baluartes da democracia para melhor aplicar um controlo subliminar das vontades ou anestesiar escrutínios determinantes.

Há quem entre nós tenha percebido o sinal dado pelo Comité Nobel ao enfatizar a corajosa luta pela liberdade de expressão, envolvendo na distinção “todos os jornalistas que defendem este ideal num mundo em que a democracia e a liberdade de imprensa enfrentam condições cada vez mais adversas”. Ou, como sublinhou o director executivo do Comité para a Protecção dos Jornalistas, Joel Simon, o Nobel da Paz é um poderoso reconhecimento do trabalho incansável dos jornalistas em todo o mundo.

As ofensivas dos poderes e dos aliados de circunstância em diversas frentes, inclusive na selva do anonimato, têm tido como intuito orquestrado desprestigiar o jornalismo, de modo a que possam continuar imunes ao incómodo das questões ou a salvo de reparo público.

Com o Nobel da Paz e da liberdade, da investigação e da verdade, da persistência e da entrega ao essencial, o autoritarismo e a desinformação, o fretismo e a subserviência são severamente punidos.

O Nobel não erradica as novas pressões fabricadas em vários quadrantes, que ora instigam à censura e à repressão, ao boicote e à perseguição ou que se apropriam indevidamente de conteúdos com valor. Mas valoriza os factos, a confiança na informação responsável e a coragem dos que exercem a profissão em contextos adversos e ambientes pouco recomendáveis.

Tal como nas Filipinas e na Rússia, na Madeira a imprensa livre e crítica “é necessária a uma democracia saudável”, funcional e plural. Por isso, na véspera dos nossos 145 anos de existência saudamos o momento histórico para o jornalismo num contexto de emergência, convictos que o prémio ganho por Ressa e Muratov fortalece a luta contra a os rumores e reduz a uma profunda insignificância as chantagens e os maus humores.