A adversidade versus o que há de melhor em nós (1)

Na verdade, podemos através da adversidade vivenciada fazer brotar o que há de melhor em nós. Também não sabemos o que o futuro nos reserva… Contudo, podemos dar o nosso modesto contributo para que muitas situações que se viveram não se voltem a repetir e, sobretudo, manter a esperança nos dias vindouros, na capacidade do ser humano de se renovar implementando medidas e ações que contribuam para o Bem da Sociedade.

Ontem uma amiga enviou-me uma mensagem em que me dava conhecimento de que um idoso com problemas de saúde, a quem a mulher tinha falecido há dias, recebeu a visita dos dois filhos, um médico e outro engenheiro, para decidirem em conjunto sobre o seu futuro. No entanto a decisão já estava tomada. Iria para um lar já que não tinham disponibilidade para os receber em suas casas. Também seria muito oneroso contratualizar pessoal para o apoiar já que teriam de ser 3 pessoas para se revezarem a cada 8 horas. Por outro lado, para não se preocuparem com a despesa do lar, venderiam a sua casa no sentido de fazer face às despesas. Perante esta explicação o idoso não conseguiu encontrar argumentos para contrariar a decisão. Interiormente pensou: “Procurei educar bem os meus filhos, mas falta-lhes a humanidade. Vou ficar longe deles e dos meus netos”. Bem, outra amiga telefonou-me muito desgostosa, já que devido à pandemia, já não via os seus netos há um ano. Viviam no estrangeiro e face às restrições existentes não poderiam, como é hábito, vir usufruir das férias na sua companhia. E tantas outras situações que não vou referir, mas quero sim enfatizar que: “Ser ancião constitui uma etapa especial, de novos desafios. Podemos dar graças a Deus pelos benefícios recebidos e, de algum modo, preencher o vazio da solidão que circunda a velhice, já que uma existência sem amor constitui uma vida árida. Como se torna importante receber o carinho, um abraço de afeto, um sorriso, a alegria de uma criança…Também se pode pensar que há mais alegria em dar do que em receber. Como se torna bonito todas as palavras de encorajamento que um idoso pode transmitir aos jovens! Refiro-me igualmente à enorme alegria comovente de um abraço entre um jovem e um idoso. Às vezes questiono, no contexto da pandemia SARS-COV-2, e na ótica dos direitos humanos, se algumas das medidas implementadas foram as melhores para os idosos. Importa pois avaliar e corrigir o que esteve menos bem. Todos temos conhecimento de situações constrangedoras e com consequências nefastas e dolorosas para os anciãos, para as suas famílias e para a sociedade. Que essas situações se venham a traduzir na implementação de novas medidas e políticas que corrijam os erros do passado, já que agora estamos na posse de novos conhecimentos e de experiência adquiridos neste contexto, em prol da promoção dos direitos humanos e do bem-estar da sociedade a todos os níveis.

Tenho meditado num assunto que me causa alguma preocupação já que tudo é relativo. Isolam-se os idosos, enquanto grupo de risco, para que não contraiam a Covid-19. De acordo, é para o seu próprio bem a nível da saúde física. E a saúde mental? Qual é o sofrimento e os danos colaterais? Quatro meses depois de se ter iniciado o confinamento, visito uma amiga com mais de cem anos residente num lar, através do vidro, seguindo todas as normas implementadas pelas entidades de Saúde competentes. A minha amiga deu ênfase que o mais queria era “Viver a vida no pouco tempo que lhe resta e receber um abraço e um beijo”. Fiquei com o coração apertado! Olhou-me nos olhos, já que me encontrava de máscara, como é óbvio, referindo: “Ainda bem que posso ver os seus olhos presencialmente ainda que através do vidro. Procurei ser positiva, transmitindo-lhe que se encontrava ótima, graças a Deus, cada vez mais bonita. Logo, logo, assim que fosse permitido iria buscá-la para almoçarmos e darmos um passeio como tanto gosta. Sorriu feliz e esperançada, questionando quando poderia ser esse momento. Não sei, respondi-lhe, mas procure manter alguma atividade e alimentar-se, para quando for possível se sentir bem. Dois dias depois agudizou uma doença antiga e foi levada ao hospital. No regresso ao lar, cumprindo a legislação em vigor, ficou de quarentena. Fui visitá-la seguindo todas as normas de segurança. Não me reconheceu. Chorei interiormente. Pensei que já tinha vivenciado situações semelhantes. A minha amiga apesar da sua idade era muito forte. Tinha a certeza de que iria recuperar. O melhor seria ser-lhe administrada a Unção dos Doentes. Acredito por experiência própria que, quando recuperam constitui uma enorme ajuda. Se têm de partir vão em paz. E assim foi! Depois da Unção foi recuperando. Aos poucos reconheceu-me e voltou à vida, tendo referido que julgava que já não tinha ninguém. Sorri e mostrei uma fotografia da minha neta. Ficou feliz salientando que já tinha um incentivo para viver. E começou a contar histórias do passado longínquo que já conhecia. Tinha chegado o terminus da visita. Saí e fui lavar as lágrimas à beira-rio. Coração, coração na cruz!

Maria Helena Paes

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