Crónicas

O Sr. Simpatia

Infelizmente existem cada vez mais pessoas que se chateiam por tudo e por nada

Na rua onde eu moro vive um senhor a quem todos chamam de Sr. Simpatia. É um regalo ver a forma como trata tudo e todos e ver como recebe em troca. Quem para ele olha pela primeira vez fica com a leve impressão de que já nasceu assim, a sorrir para o Mundo, ou que deve ser algum maluquinho que não consegue simplesmente parar. Já o vi a olhar para a fruta do supermercado como quem olha para um doce. Dá até a ideia que fala com as coisas e que elas lhe retribuem. Tem sempre uma palavra que nos desarma, um gesto cavalheiro, de olhar ternurento. Há quem não o perceba e se irrite com tamanha felicidade. Há quem se irrite por tudo e por nada. Não é o seu caso. Por isso mesmo parece deslocado da realidade, como se a Vida lhe fosse fácil e perfeita, como se tudo lhe corresse bem.

Conheço um pouco da sua história e a sua entrelaça-se cada vez mais com a própria história do bairro. E sei que nem sempre foi fácil. Como todos nós já teve as suas desilusões, as frustrações e os fracassos , a dor da perda e da ingratidão. Ainda assim, seja sentado num banquinho de madeira no Jardim com a cara esticada para que o Sol lhe aqueça um pouco mais o rosto ou a oferecer os seus préstimos a uma senhora que não consegue sozinha subir as escadas do Pingo Doce com o carrinho de bébé, lá vai ele sempre solicito e de boa vontade. Embora eu ache que tal “destreza” seja capaz de mudar o dia do maior dos carrancudos ainda existe quem lhe deite olhares de inveja e lhe faça cara feia ou indiferente. E eu fico assim, por vezes, deliciado a ver a forma como cada pessoa reage à sua passagem e aos sorrisos que vai destilando.

Infelizmente existem cada vez mais pessoas que se chateiam por tudo e por nada. Que nunca estão bem e que arranjam sempre alguma razão para se queixar. Não aproveitam nada do que a vida lhes dá. Fecham-se amarguradas no seu canto, não conseguem ultrapassar e como se sentem assim fazem questão de infernizar a dos outros para que no fim do dia possam ter aquele gostinho estúpido de se satisfazer com a tristeza dos que lhes rodeiam. Há também as que não têm o dom de desculpar nem de pedir desculpa. Nunca saberão que é das melhores dádivas que podemos receber. Perdoar ou ser perdoado é do mais profundo e gratificante que pode existir. A capacidade de interagirmos com os outros, de nos darmos e retribuirmos, de conseguir expurgar as atitudes menos boas que têm connosco e não guardar rancores, seguir em frente e não perder tempo com o que não nos acrescenta.

O Sr. Simpatia faz-me lembrar uma mistura do Sr. Contente e o Sr. Feliz, personagens eternizadas pelo saudoso Nicolau Breyner e pelo Herman José na RTP com o Avô Cantigas que ouvia quando era criança. Conheço umas quantas pessoas que carregam nos ombros esta magia de melhorar o dia dos outros como ele faz comigo quando nos cruzamos. Não há nada como vermos um sorriso na cara de alguém, um gesto agradável , um apoio, uma ajuda, uma preocupação. Às vezes parece que o Mundo andou para trás e que estas pessoas são seres estranhos que já não cabem por aqui. É a mais pura das mentiras. São estes exemplos que nos devem levar a fazer um esforço para ultrapassarmos as nossas dificuldades mas acima de tudo para não sobrecarregarmos os outros com o nosso mau feitio.

Sermos mais humanos e altruístas, mais atentos e gentis não nos faz mal nenhum. Pelo contrário. Ajuda a melhorar a vida dos que circulam à nossa volta e é capaz de transformar o dia dos outros. Eles não têm que levar com a nossa má disposição. Andamos tão assoberbados nos nossos problemas que por vezes nem nos apercebemos que aquela pessoa passa por nós todos os dias e que se lhe dissermos um olá, ou a cumprimentarmos com um sorriso ou um simples olhar ela irá sorrir também. A boa energia atrai boa energia, as boas práticas atraem boas práticas e nós, tal como o Sr. Simpatia, só ganhamos em fazer os outros felizes. Quando passo por ele vou o resto do caminho a tentar fixar o meu sorriso igual ao dele. A tentar dar um pouco do que ele me dá a mim. Não tenho a certeza que saiba o quão generoso é. Existem personagens que nasceram para iluminar a vida dos outros. Existem pessoas boas que merecem ser cuidadas e outras por quem não podemos nem devemos desistir. Que nunca acabem :-)

“Seja gentil sempre que possível. E é sempre possível...”

Dalai Lama