Crónicas

A galinha dos ovos de ouro

Há mesmo razões para estarmos preocupados, vigilantes e atuantes

A paisagem natural e o património edificado são as grandes riquezas da Madeira, a par do capital humano. Se o Criador foi pródigo em distribuir beleza pelas nossas ilhas, os povoadores e os que lhes sucederam esventraram o basalto e dele fizeram um monumento ao engenho e ao trabalho.

Os poios e socalcos construídos pela montanha fora ou à beira da falésia, as levadas rasgadas pelas entranhas da Madeira, os caminhos reais subindo e descendo vales, são uma obra notável do ilhéu que soube fazer do basalto uma terra arável que garantisse o seu sustento. É esta Epopeia que temos, no mínimo, que classificar, proteger e valorizar. Esta é uma riqueza incalculável que os viajantes de outras paragens identificam, às vezes, muito melhor que os residentes. Tardamos em perceber que as nossas Identidade, Cultura, Paisagem e Património, são ativos económicos que precisam de ser potenciados. São as galinhas dos ovos de ouro que não podemos deixar morrer!

A fúria desenvolvimentista dos últimos 40 anos, com aspetos muito positivos porque melhoraram as condições básicas de vida das populações e as acessibilidades entre localidades, tiveram um reverso que foi o esquecimento do que já tínhamos construído ao longo de séculos e que fazia parte da nossa memória, como por exemplo as estradas regionais e edifícios que fazem parte da nossa história. Fez-se o “novo” e ignorou-se e, nalguns casos, destruiu-se o “antigo”, afinal o mais autêntico e genuíno e aquilo que nos distingue de outras terras. Como já escrevi várias vezes “este surto de obras públicas provocou profundas transformações no território que, por falta de planeamento, feriu, gravemente, o nosso Ambiente e as belezas da ilha, alterando a própria distribuição populacional com o despovoamento do Norte e o aumento da macrocefalia na faixa sul do território”. A construção da rede viária, em particular, originou alterações na fisionomia da ilha que poderiam ser evitadas, de que o melhor exemplo são as ligações entre os três concelhos do Norte e, em especial, os troços tradicionais abandonados entre São Vicente e o Porto Moniz, um ex-libris que deitámos fora e agora, também, a má integração na paisagem de alguns viadutos na via expresso que está a ser construída entre a Fajã da Ovelha e a Ponta do Pargo.

A construção desenfreada usou e abusou dos solos, muitas vezes sem planeamento e ordenamento, e isso também é visível na redução das áreas agrícola e florestal e na instabilidade de muitas escarpas e taludes do território. Se a isso juntarmos os fogos frequentes que dizimaram vastas zonas, com o eucalipto e outras infestantes a tomarem o lugar da floresta endémica, e as alterações climáticas, com períodos de seca, alternando com chuvas torrenciais e ventos cada vez mais fortes, temos uma noção mais clara de que temos que atuar no território e, nomeadamente na paisagem, com mais moderação e com outra visão. Basta referir o que se passou depois do 20 de fevereiro que fez, agora, 9 anos, em que a Região se limitou a reconstruir em vez de corrigir os erros que potenciaram a tragédia. Se a isto acrescentarmos a desfiguração da orla costeira da Madeira, com intervenções desastrosas que estão hoje ao abandono, temos um retrato claro, mas feio de uma parte da nossa paisagem.

O que nos resta, é muito, mas quando a própria Floresta Laurissilva, Património da Humanidade, passa de um estado classificado como “Bom” para uma situação dita “Preocupante”, num relatório encomendado pela Unesco, então há mesmo razões para estarmos preocupados, vigilantes e atuantes.

O Parlamento aprovou, há algum tempo, por proposta do CDS, a criação do “Observatório da Paisagem da Madeira” para monitorizar e valorizar o que é nosso. É um bom começo, mas há muito para fazer, a começar pela revisão do Plano de Ordenamento do Território, pela elaboração dos Programas de Ordenamento da Orla Costeira, pela criação das Reservas Agrícola e Ecológica que valorize os produtos da terra e a ruralidade, pelo cumprimento sem transigências dos Planos Diretores Municipais, pela efetivação de um Plano de Recuperação das antigas Estradas Regionais e dos Caminhos Reais, pela aplicação do Plano de Ordenamento Florestal, pela revalorização das Levadas, dos Percursos e Miradouros, pela classificação e rentabilização das Quintas e pela aplicação de um Programa de Requalificação e Gestão da Paisagem.

É realmente um trabalho que nunca mais acaba, mas que tem que começar a ser feito, sob pena de comprometermos o nosso Ambiente e a nossa Economia, e por isso temos que mobilizar todas as autarquias, o Governo, as comunidades, as empresas e os cidadãos nesta tarefa única que é fazer da Madeira e do Porto Santo, ilhas mais bonitas.