Crónicas

Levadas e cidade a património mundial

As Levadas da Madeira e os Núcleos Históricos do Funchal preenchem, claramente, os requisitos da Convenção da UNESCO para classificação de Património Mundial Cultural e Natural

O arquipélago da Madeira, primeira terra das Descobertas, foi lugar de cruzamento de culturas e civilizações e a plataforma da expansão portuguesa que deu “novos mundos ao Mundo”. A sua importância está sobejamente demonstrada por documentos que salientam o papel relevante que o Porto Santo e a Madeira tiveram no Achamento de novas terras, iniciando o que os historiadores hoje designam de “primeira Globalização”. Foi nestas ilhas que Cristóvão Colombo terá aprendido as novas técnicas de navegação que o levaram a descobrir a América.

Desde muito cedo, o Funchal foi um centro de conhecimentos e não foi por acaso que o Papa Leão X, através da bula Pro excellenti praeeminentia, cria em 1514 a Diocese, que mais tarde foi a maior do Mundo, abrangendo os territórios portugueses de África, o Brasil, a Etiópia e o Oriente.

Aqui se fez história com o plantio da cana de açúcar que deu imensa riqueza à Madeira e fez prosperar a sua cidade, “a primeira construída por europeus fora da Europa”, e daqui se levou o engenho e a arte do fabrico do “ouro branco” para o Brasil, São Tomé e as Antilhas. Dessa Cidade do açúcar, que rapidamente cresceu a partir do burgo de Santa Maria, temos a Sé, a Igreja e o Convento de Santa Clara, parte da antiga Alfândega (sede do Parlamento), e as preciosas obras de pintura e escultura flamengas dos séculos XV e XVI, hoje expostas no Museu de Arte Sacra, muitas delas encomendadas às prestigiadas oficinas da Flandres.

Ao declínio da produção de açúcar, com o cultivo da cana em outros países, sucede-se a introdução da vinha no século XVII, com o néctar a conquistar o gosto de várias cortes e a marcar a celebração da Independência dos Estados Unidos. O Vinho e os bordados, que ainda perduram, fizeram do Funchal um centro de comércio internacional, com a fixação na ilha de comerciantes de várias paragens, como antes tinha sucedido nos tempos áureos do açúcar. Dessa época, da ocupação espanhola e da influência da comunidade inglesa, ficaram riquíssimos edifícios como o Palácio de São Lourenço, os Fortes de São Tiago e do Pico, as igrejas de São João Evangelista, do Carmo e de São Pedro, a Igreja Inglesa, os Palácios do Conde Carvalhal, do Museu de História Natural, dos Cônsules, dos Esmeraldos, do Governo Regional, o espaço da Madeira Wine, entre outros edifícios de enorme valor, arquitetónico e paisagístico, bem como de valiosos espólios de mobiliário, pintura, escultura e ourivesaria expostos nos Museus da Quinta das Cruzes e Frederico de Freitas.

Aos ciclos do cereal, do açúcar e do vinho segue-se o do turismo que começa por ser terapêutico no século XIX para tratamento da tuberculose e que mais tarde se torna o principal setor económico. Desse tempo e do século XX, existe uma Cidade feita de muitas Quintas e Solares e de imóveis marcantes como o Teatro Baltazar Dias, o Hospício, os edifícios dos Instituto do Bordado e do Vinho, a nova Alfândega, o Palácio da Justiça, o Mercado dos Lavradores, o Jardim Botânico e os Museus do Açúcar, da Fotografia Vicentes e de hotéis como o Reid´s e o Casino de Óscar Niemeyer.

As Cidades do Açúcar, do Vinho e do Turismo estão bem presentes no Funchal do século XXI e contam uma rica História, feita pelos seus habitantes, mas também por todos aqueles que aqui vieram residir ou comerciar no ancoradouro do Atlântico.

O povoamento da ilha e a ocupação do território com exploração dos seus recursos são outra Epopeia ainda hoje presente na paisagem humanizada e que constitui um valioso Património Cultural. As Levadas para transporte de água são a expressão máxima desse engenho e arte dos madeirenses, pois os primeiros canais remontam ao século XV e foram crescendo num complexo sistema de transferência do “bem precioso” do Norte para o Sul da ilha para irrigar os poios e os terrenos das fajãs.

A Madeira com uma superfície de 756 Km2 possui uma rede de levadas de 1400 Km que atravessam em parte a Floresta Laurissilva (Património da Humanidade) naquele que é um Monumento ao trabalho de 6 séculos que possibilitou que toda a ilha tivesse aceso à água e que do basalto se criasse terra arável para as culturas que deram sustento às populações. Ainda hoje, as Levadas, servem a agricultura, o abastecimento público e a produção de energia e nas últimas décadas, os viajantes-turistas descobriram a beleza ímpar da Madeira, a sua rica flora, com espécies únicas no Mundo, por via das levadas que ganharam uma nova valia económica, constituindo um grande atrativo da Madeira.

A Epopeia da Água na Madeira, pela orografia da ilha, pela construção das levadas, pela paisagem humanizada que proporciona, constitui um património natural único no Mundo. Assim, as Levadas da Madeira e os Núcleos Históricos do Funchal preenchem, claramente, os requisitos da Convenção da UNESCO para classificação de Património Mundial Cultural e Natural, proposta que o CDS acaba de fazer no Parlamento e que esperemos venha a ser aprovada. Que melhor maneira de assinalar os 600 anos?