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“Alheamento” e participação

Em altura de eleições a questão da abstenção ressurge como tema central. Obviamente nem todos pretendem o mesmo. A uns interessa captar os possíveis abstencionistas, a outros, por pretensamente terem os seus apoiantes e simpatizantes fidelizados, quanto mais eleitores que não sejam apoiantes do seu partido não forem votar, melhor...

Algo que também não falta são as explicações para o elevado nível de abstenção. Ora é a pouca credibilidade dos políticos e a forma de fazer política, ora é porque está a chover e as pessoas não saem de casa, ou está sol e vão para a praia, etc. etc.

Mas será que este “alheamento” em relação a algo que influencia diretamente a sua vida é algo que se verifica essencialmente no que se refere a eleições europeias, nacionais, regionais e autárquicas, apesar de algumas variações entre elas, ou é algo mais generalizado e profundo?

Dirão alguns que quando as coisas lhes tocam mais diretamente as pessoas participam e aparecem. Será mesmo assim? A título de exemplo:

- Há pais que se preocupam muito com a educação dos filhos e em criar as condições para que tenham sucesso, mas depois, estranhamente, preocupam-se muito pouco em participar na dinâmica da escola, sendo que muitos só lá aparecem quando são chamados pelo(a) Diretor(a) de Turma...

- Muitas reuniões de condomínio não se realizam por falta de quórum ou apenas conseguem reunir com as percentagens mínimas porque a administração obteve procuração de alguns condóminos...

- Nas escolas e universidades muitas vezes existe dificuldade em encontrar representantes dos estudantes para os diferentes órgãos onde têm assento, sendo que alguns até são órgãos paritários...

- Até naquelas situações onde as paixões e emoções andam à flor da pele e os órgãos de comunicação social dão enorme cobertura, como é o caso do futebol, quando toca a atos eleitorais, apesar de se verem filas e filas de sócios para votar nalguns clubes, a abstenção também é elevadíssima.

Obviamente que há bons exemplos de quem se dedica à causa pública e ao bem comum, por exemplo através do voluntariado e do associativismo. Contudo, infelizmente, esses exemplos acabam por ser uma gota de água no oceano.

Este grau de “alheamento” que temos vindo a referir é, por vezes, considerado como uma forma de protesto. A questão que se pode levantar é se não será um protesto cómodo e não existirão formas de protestar bem mais eficazes, embora exijam mais empenhamento...?

Mas será que educamos as nossas crianças e jovens para participarem nos processos de decisão? Será que elas aprendem que a sua participação conta? Quantas decisões em casa são discutidas e decididas com a participação dos filhos? Por exemplo, será que participam nas decisões de como distribuir o orçamento familiar, desde a compra de uma casa ou carro, passando pelas férias, até ao vestuário, à alimentação, aos possíveis extras, etc...?

Será que na escola a sua voz é ouvida ou já tudo está pronto para serem simples consumidores passivos e obedientes? Em que tipo de decisões os alunos podem participar, desde a organização da escola à dinâmica da sala de aula?

Em questões de Educação os processos são longos e os efeitos por vezes demoram gerações a fazer-se sentir de forma significativa. Ora o mundo está a mudar a uma velocidade vertiginosa, mas o processo pedagógico continua fundamentalmente amarrado ao passado. Não é um problema exclusivo de Portugal, dos países do sul da Europa nem da América Latina, como algumas vezes nos querem fazer acreditar.

Apesar de existirem nuances e tentativas de mudança em alguns países, regiões, “escolas/universidades”, professores e educadores, a realidade é que a grande maioria dos sistemas de ensino e das lógicas organizacionais que lhes estão associadas continuam fundamentalmente enraizadas no séc. XIX.

Mas na casa de cada um não há desculpas. Apesar de estarmos formatados pelo modo como fomos educados, se tivermos consciência que as crianças e jovens precisam de serem estimuladas a analisar os problemas e a participar na sua resolução, provavelmente estaremos a contribuir para que, no futuro, exista menor “alheamento” dos assuntos que sejam importantes.