Crónicas

Um herói, por favor!

Um herói, por favor! Um por dia, de preferência! Para nos fazer lembrar que existem pessoas boas. Que há seres humanos que estão longe de serem excecionais, mas que apenas não se esqueceram que, muitas vezes, é preciso ignorar o egoísmo atroz para dar mais de si em prol dos outros

Colecionamos emoções, bens materiais, pessoas. Olhamos para os outros como “coisas” que podemos utilizar. Geralmente, o que fazes é muito mais importante sobre quem és. Será que interessa mesmo saber quem és? Não é muito mais fácil ir direto ao assunto e saber o que fazes para imaginarmos a forma como poderás ser útil aos nossos propósitos?

O que fazes e ao que vens. Juntas-te ao rol de coleções intermináveis que servem apenas para aumentar o nosso comodismo, conforto e facilitismo neste mundo que alguém chamou de cão, mesmo sem se aperceber que os cães também são criaturas dóceis, brincalhonas e ávidas de atenção.

Neste mundo cão que destoa das ilusões e dos reinos do faz de conta, cada um tenta à sua maneira sobreviver e dar nas vistas.

O que fazes e ao que vens cola-se na testa de todos aqueles que se cruzam por entre becos e travessas.

O que te move só pode ser o interesse. Nada mais do que o interesse horrivelmente cru, destoado de cores e de intenções mais nobres.

O que é isso da nobreza? Perdeu-se algures no tempo, nesse mundo cão que tanto falam, engolido por um qualquer buraco negro que deixou um vazio insustentável na essência de cada um. A todo o custo, tentamos preencher esse grande buraco com as coleções que vamos amontoando. Coleções de pessoas, sentimentos, experiências, bens materiais e a utilidade que podes representar para os interesses dos outros. Ninguém dá nada a ninguém, afirmam. Será mesmo?

São poucos os que se interessam sobre as tuas verdades e os teus anseios. O que importa é aparentar uma felicidade extrema, uma perfeição nunca antes tentada, uma vida que não existe. Os teus medos, as tuas loucuras, os teus monstros e os teus pesadelos são reservados única e exclusivamente a ti. A ti e ao teu psiquiatra.

De resto, tudo bem? Como estás?

O cumprimento fugaz sem a menor intenção de esperar por uma resposta honesta, toma conta do dia a dia destas gentes que se cruzam no tal mundo cão, frenético, raivoso. Não há margem para parar. Não há tempo para ouvir. Não há interesse em querer saber mais. Não há vontade em conseguir descortinar o que está por detrás daquele olhar parado, daquelas lágrimas grossas ou daquele gesto impensado.

E é por isso que especamos para um televisor sempre que um ser humano se destaca neste mundo cão, onde também acontecem coisas boas, onde as preces e a solidariedade se juntam para orar por uns meninos presos numa gruta, algures na Tailândia.

E nesta corrida contra a imperfeição, tão humanamente aceitável, paramos por um momento para aplaudir heróis anónimos que apenas fazem o que muitos seres humanos perderam pelo caminho, quando se deixaram seduzir perigosamente pela substituição de valores por uma vida “happy happy”, dominada pela competitividade e pelas exigências de um mundo cão que por vezes pára para apreciar um gesto de boa vontade.

Um herói, por favor! Um por dia, de preferência! Para nos fazer lembrar que existem pessoas boas. Que há seres humanos que estão longe de serem excecionais, mas que apenas não se esqueceram que, muitas vezes, é preciso ignorar o egoísmo atroz para dar mais de si em prol dos outros.

Um herói, por favor! Que nos faça lembrar que todos os dias, ao virar da esquina numa das ruas deste mundo cão, ainda há quem ajude os outros sem querer nada em troca.

Um herói, por favor! Um por dia. É o suficiente...