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Dando nomes aos bois

Passou a ser moda na política, prometer tudo o que possa encantar o eleitorado. Não importa se é verdade, ou mentira, realizável, ou não. Muito menos, a moralidade das medidas tomadas ou se as mesmas são a bem das pessoas.

O deslumbre pelo poder tem levado alguns a optar pela estratégia do “chico espertismo”, que mais não é do que trafulhice porque o que interessa é estar sempre na mó de cima. Quem não se subjuga a esta estratégia, é “tonto” porque não entra em jogadas sujas, ou como querem fazer parecer “não sabem levar a água ao seu moinho”. Creio que está na hora de dar nomes aos bois.

Se você é enganado numa compra, num contrato, no seu trabalho, no seu ordenado, na amizade ou na família, quem lhe enganou é esperto? Não há consequências?

O processamento dos nossos salários é um bom exemplo. Quando mudaram os contratos de trabalho, alterando as regras de pagamento dos ordenados dos trabalhadores da administração pública, acabando com subsídio de férias e Natal, subsídio de insularidade e congelando as carreiras da função pública, não lhe enganaram?

A situação do país exigia a tomada de medidas excepcionais e temporárias, atendendo ao descalabro que as contas de Estado tinham chegado.

Este mês de janeiro, muitos de nós olhamos para o recibo do ordenado à procura de mudanças. Havia a expectativa de alterações e ficamos a olhar para o que efetivamente tinha mudado. Afinal, o pagamento dos subsídios de Natal e de férias deixou de ser feito parcialmente em duodécimos e voltou a ser feito de uma só vez. O salário mínimo aumentou e prometeram-nos o descongelamento das carreiras dos trabalhadores da função pública.

É revoltante a forma como muitos políticos tratam a população que os elege. Pensam que não sabemos que tínhamos um contrato de trabalho que estabelecia os nossos direitos em termos de ordenado. As reposições não são mais do que repôr aquilo a que temos direito. Perdemos poder de compra durante este tempo. Não temos aumentos salariais há algum tempo e não deixou de haver inflação. Há gente a receber menos do que em 2002. Caso para perguntar que têm feito os Sindicatos dos Trabalhadores da Função Pública?

O subsídio de insularidade é outro caso a ter em conta. O que nos pagam atualmente nada tem a ver com o que estava estabelecido no nosso contrato de trabalho. Não nos foi comunicado que era uma medida temporária? Temporário não é definitivo, pois não? Vão manter quando agora que dizem que passamos a ter crescimento económico? E a receita fiscal na região desce? Ó diabo!

Pediram-nos para colaborar na recuperação do país, pagar dívidas contraídas pelo governo e assim fizemos. Todos? Todos não!

Nas auditorias realizadas pelo Tribunal de Contas às contas da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (ALRAM) pode-se ler que não se aplicou a Lei naquele organismo.

No relatório de contas de 2012 pode-se mesmo ler que em conformidade com a Lei de Orçamento de Estado “deveriam ter sido suspensos (quando a remuneração base mensal fosse superior a 1.100€) ou reduzidos (nos casos em que a remuneração base mensal fosse igual ou superior a 600€ e não excedesse os 1.100€) os subsídios de férias e de Natal do pessoal dos gabinetes dos grupos parlamentares”. Mas a análise revelou que só o Grupo Parlamentar do PS e as Representações Parlamentares do PND e do PAN adotaram as normas da Lei n.º 64-B/2011 constantes do art.º 21.º, mas os Grupos Parlamentares do PSD e CDS e a Representação Parlamentar do PCP não aplicaram as normas da referida Lei, tendo o pessoal dos seus gabinetes auferido os subsídios de férias e de Natal na íntegra. O Grupo Parlamentar do PTP também não adotou as normas da mesma Lei, embora tenha reduzido os subsídios de férias e de Natal a alguns dos trabalhadores do seu gabinete.

Numa óptica de transparência, o Tribunal de Contas, apresentou o quadro que se anexa a este artigo com os montantes dos subsídios de férias e de Natal pagos ao pessoal dos Grupos Parlamentares (GP) e Representação Parlamentar (RP), em 2012.

Tendo constatado esta situação, o Tribunal de Contas escreveu mesmo que não vislumbrava enquadramento legal para a não aplicação da suspensão em causa aos membros dos gabinetes dos grupos parlamentares, tanto mais que lhes era aplicável o mesmo regime dos membros do gabinete do Presidente da ALM cujos subsídios foram suspensos.

E ainda acrescentou que esta situação era “suscetível de configurar uma situação de “pagamento indevido”, no montante global de 84.009,75€, geradora de responsabilidade financeira sancionatória prevista, respetivamente, nos art.os 59.º, n.º 4, e 65.º, n.º 1, al. b), ambos da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto imputável ao Secretário-Geral da ALM na qualidade de responsável pelo processamento e pagamento das despesas com o pessoal afeto aos GP e RP da ALM.”

O mais incrível é que tendo-se detetado esta situação e do Tribunal de Contas ter alertado para a necessidade do cumprimento da Lei, na auditoria do ano seguinte, voltou-se a constatar que na ALRAM o pagamento do subsídio de férias e de Natal foi feito de forma irregular.

É caso para dizer, faz o que te digo e não faças o que eu faço. Não está na hora de exigir mais moralidade?