Madeira

Há apenas três mil bordadeiras na Madeira

Na década de 80 do século passado, havia ainda mais de 30 mil bordadeiras na região.FOTO RUI MAROTE
Na década de 80 do século passado, havia ainda mais de 30 mil bordadeiras na região.FOTO RUI MAROTE

Dedal, agulha, tesoura ao pescoço, mãos hábeis e muito empenho são elementos fundamentais para a produção do bordado Madeira, artigo mundialmente famoso desde o século XIX e que três mil mulheres espalhadas pela ilha insistem em manter na ribalta.

“Quem já bordou ou teve alguém na família que bordou, sabe dar valor a isto, mas os que nunca bordaram não dão valor”, disse à agência Lusa Lídia Pontes, uma bordadeira já reformada, residente no concelho da Ponta do Sol (zona oeste da Madeira).

Como tantas mulheres da sua geração, ela começou a bordar em criança, mal terminou a terceira classe.

“Naquele tempo, as raparigas bordavam para o mealheiro, para depois partir para comprar o dote. Todo o mundo quando se casava já tinha uma mala cheia de lençóis e colchas e cobertores e tudo o que era preciso para a mulher. E era tudo à conta dos bordados”, explicou.

Lídia Pontes costuma deslocar-se amiúde ao antigo moinho de água do sítio da Lombada, que foi recuperado pela autarquia local e serve agora de “atelier”, sob a responsabilidade de Maria Ganança, já com 71 anos, que ganhou fama na região como bordadeira exímia e também como dirigente sindical do sector.

“Comecei a bordar com uns 10 anos e mesmo antes de acabar a escola já fazia granitos e ponto de corda”, contou, vincando que antigamente todo o dinheiro com que as mulheres podiam contar provinha dos bordados, pelo que ficavam a puxar linhas pela noite dentro até de madrugada.

A origem do bordado Madeira remonta ao início do povoamento da ilha, no século XV, mas produto só ganhou fama internacional no século XIX, quando o número de bordadeiras terá atingido 70 mil.

Na década de 80 do século passado, havia ainda mais de 30 mil bordadeiras na região, mas actualmente o Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira (IVBAM) tem registo de apenas três mil, sendo que o produto é exportado sobretudo para os Estados Unidos, Itália e Inglaterra.

“Isto já foi uma indústria bastante grande, mas agora está de arrastos”, disse Maria Ganança, que, no entanto, insiste em ensinar “de graça” a arte de bordar, porque tem “pavor” que o bordado acabe, mas também “esperança” de que um dia ele renasça.

As três mulheres que estavam com ela no moinho concordaram, mas dizem-se conscientes de que as novas gerações não mostram interesse pela arte, feita à custa de muito ponto de corda, caseado, bastido, pesponto, “richelieu”, ponto francês, granitos e outros.

“Já em pequenas, as minhas filhas faziam tudo para não bordar”, disse Lídia Pontes, lembrando, por outro lado, as doenças associadas à actividade, sobretudo relacionadas com a coluna, a visão e as artroses, pelo que “é mais fácil passar o dedo no telemóvel do que na agulha”.

No velho moinho da Lombada, os dias correm quase como nos tempos áureos do bordado Madeira, quando as mulheres se juntavam no quintal e ficavam horas a puxar linhas sobre tecidos de linho, seda, algodão ou organdi, de onde resultavam peças requintadas, como toalhas de mesa, vestidos, camisas, jogos de banho, lençóis e lenços que continuam a correr mundo.