Há cientistas a negar as alterações climáticas?
Se é verdade que as alterações climáticas ainda não são aceites por uma enorme fatia da população, havendo inclusive sinais de retrocesso na postura, sobretudo de políticos, a verdade é que os cientistas climáticos, aqueles que efectivamente percebem do assunto, continuam unidos na certeza que esta é uma inevitabilidade.
Na conferência sobre o clima que decorre no Brasil, é comumente aceite que a Humanidade não conseguirá limitar o aumento da temperatura global em 1,5º Celsius, embora haja quem ainda acredite ser possível. A verdade é que a não presença de 4 líderes dos cinco maiores poluidores mundiais - China, EUA, Índia e Rússia - deve fazer deste COP30 mais um passo falhado, apesar de todos os alertas que os cientistas têm feito e a própria Natureza tem revelado na sua forma mais devastadora.
Presidência da conferência do clima confia que ainda é possível meta dos 1,5ºC
A presidência brasileira da conferência da ONU sobre o clima, a COP30, divulgou hoje uma carta aberta na qual se diz confiante de que é possível manter a meta de limitar o aquecimento global a 1,5ºC (graus Celsius).
Mas será que todos os cientistas concordam que as alterações climáticas são uma inevitabilidade? Vamos analisar um estudo da Universidade de Columbia, nos EUA, divulgado em finais de Agosto do ano passado, onde se tentou perceber a opinião dos cientistas climáticos e como isso afecta a opinião pública.
"Comunicar o consenso científico de que as mudanças climáticas causadas pelo homem são reais aumenta a crença nas mudanças climáticas, a preocupação e o apoio a ações públicas nos Estados Unidos", refere o estudo, publicado na revista Nature Human Behaviour e que auscultou especialistas de 27 países. "Os cientistas climáticos concordam há muito tempo que os humanos são os principais responsáveis pelas mudanças climáticas. No entanto, muitas vezes as pessoas não percebem quantos cientistas compartilham dessa visão", problematiza, antes de avançar.
O estudo, co-liderado por Bojana Većkalov, da Universidade de Amsterdão, e Sandra Geiger, da Universidade de Viena, e Kai Ruggeri, professor de políticas e gestão de saúde na Escola de Saúde Pública Mailman da Universidade de Columbia, nos EUA, bem como o contributo de especialistas de diversas áreas, nomeadamente as comportamentais e psicológicas de instituições de ensino da República Checa, Países Baixos, Itália, Alemanha, Israel, Suécia, Malta, Reino Unido, Luxemburgo, Eslovénia, Dinamarca, Polónia, Indonésia, Hungria, França e, claro, Portugal, no caso Valentina Vellinho Nardin, do Departamento de Psicologia da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.
Resumidamente, diz o estudo, "o consenso científico que identifica os seres humanos como os principais responsáveis pelas mudanças climáticas não é novo e já se era evidente na década de 1980. Hoje, esse consenso varia de 97% a 99,9% dos cientistas climáticos concordam que a mudança climática está a acontecer e que a actividade humana é a principal causa". E acrescenta: "Na última década, pesquisadores começaram a estudar os efeitos da comunicação desse consenso esmagador, com resultados promissores. Descobriram que pessoas nos EUA que leram uma breve declaração sobre esse consenso científico perceberam que o consenso era maior, acreditaram mais nas mudanças climáticas causadas pelo homem e se preocuparam mais com o tema do que aqueles que leram uma declaração de um especialista sem relação com o assunto".
Aliás, há cerca de 9 anos, esta ideia já vingava num estudo da Universidade de North Florida, onde se lia que durante os anos de 2013 e 2014, "apenas 4 dos 69.406 autores de artigos científicos revistos por pares (forma de validar estudos científicos) sobre o aquecimento global, ou seja, 0,0058% (1 em 17.352), rejeitaram o aquecimento global antropogénico (AGA)", ou seja causado pelo homem. "Assim, o consenso sobre o AGA entre os cientistas que publicam artigos científicos é superior a 99,99%, aproximando-se da unanimidade. A Câmara dos Representantes dos EUA possui 40 vezes mais membros que rejeitam o aquecimento global do que os autores de artigos científicos", exemplificava. E nessa altura ainda estávamos no início do primeiro mandato do actual presidente norte-americano, um declarado negacionista das alterações climáticas.
Voltando ao estudo da Universidade de Columbia, salientam que, "como acontece com muitas descobertas na ciência comportamental, sabemos pouco sobre os efeitos da comunicação desse consenso fora dos Estados Unidos. A nova pesquisa agora oferece uma resposta". A equipa internacional de pesquisa, "composta por 46 colaboradores, apresentou diferentes mensagens sobre o consenso científico a mais de 10.500 pessoas em todo o mundo e perguntou-lhes sobre as suas opiniões a respeito das mudanças climáticas" e "observaram que as descobertas anteriores, feitas nos Estados Unidos, confirmaram-se em 27 países, abrangendo seis continentes. As pessoas em todos os 27 países responderam de forma semelhante ao consenso científico sobre as mudanças climáticas".
O coautor principal, Geiger, explica: "Em resposta à leitura sobre o consenso de 97%, as pessoas ajustaram suas percepções sobre o consenso científico, passaram a acreditar mais nas mudanças climáticas e a se preocupar mais com o tema — mas não apoiaram mais as acções públicas relacionadas às mudanças climáticas, embora outras pesquisas tenham constatado que o apoio a essas acções pode ser estimulado indirectamente pela mudança na forma como as pessoas pensam e sentem sobre as mudanças climáticas."
E continua: Actualmente, os cientistas climáticos concordam em muito mais do que a existência e as causas das mudanças climáticas: 88% concordam que as mudanças climáticas constituem uma crise. Como as pessoas reagem ao saberem desse consenso adicional sobre a crise? Curiosamente, essa informação adicional não teve nenhum efeito." E o coautor principal, Većkalov, explica: "Acreditamos que a diferença entre o consenso real e o consenso percebido pode ter influenciado. Essa diferença foi muito menor para o consenso sobre a crise do que para o consenso de 97%. Uma diferença menor significa que as pessoas já percebiam um alto consenso sobre a crise antes de saberem disso, o que pode ter impedido quaisquer mudanças adicionais nas crenças sobre as mudanças climáticas."
E "essas novas descobertas mostram que ainda é importante enfatizar o consenso entre os cientistas do clima — seja nos media ou no nosso dia-a-dia, quando conversamos sobre as mudanças climáticas e os seus impactos". E cita ainda outro autor, Sander van der Linden: "Especialmente diante da crescente politização da ciência e da desinformação sobre as mudanças climáticas, cultivar uma consciência universal do consenso científico ajudará a proteger a compreensão pública do assunto."
E a verdade é que, por mais que haja um crescendo de negacionismo nos últimos anos, muito por culpa da crise de confiança nas autoridades (re)nascida com a pandemia de covid-19, os factos não podem ser contestados para sempre.
Veja o estudo no link em baixo
A 27-country test of communicating the scientific consensus on climate change - Nature Human Behaviour
Across 27 countries, Većkalov and Geiger et al. find that scientific consensus messaging on climate change is an effective, non-polarizing tool for changing misperceptions, beliefs and worry but not support for public action.
Estratégia regional fez 10 anos
Em Setembro de 2025 fez 10 anos que a Madeira apresentou a sua Estratégia de Adaptação às Alterações Climáticas na Região Autónoma da Madeira (ou CLIMA-Madeira), promovido pela Secretaria Regional do Ambiente e Recursos Naturais. No Prefácio, a ex-secretária regional Susana Prada justificava este projecto: "A Região Autónoma da Madeira, região insular de origem vulcânica, devido às suas características e especificidades, possui uma particular vulnerabilidade aos impactes das alterações climáticas, nomeadamente ao aquecimento global e diminuição da precipitação, à elevação do nível do mar e eventos climáticos extremos. Neste cenário, a estratégia passará, indubitavelmente, por adotar medidas que permitam a adaptação, respondendo a um imperativo global, mas com concretização à escala local."
A Estratégia CLIMA-Madeira entrou, anos depois, em fase de revisão e as primeiras conclusões divulgadas em Janeiro do ano passado. Com duas fases, a primeira (conhecida em 2023) de "regionalização climática, já foi concluída, resultando na produção de projecções climáticas" e a segunda será "a realização de uma análise setorial dos riscos e vulnerabilidades, apoiada nas novas projeções climáticas desenvolvidas", chegou-se a algumas conclusões baseadas em dados científicos e, portanto, deveriam ser irrefutáveis.
"Foram feitas cerca de 46.200 simulações que deram origem a 43.800 mapas diários de precipitação e temperatura para os cenários SSP2-4.5 e SSP5-8.5 (vide grafismos) entre 2021 e 2050, e 2.400 mapas mensais entre 2051 e 2100, para os mesmos cenários e variáveis" e "os resultados evidenciam que a precipitação anual na ilha da Madeira demonstra uma tendência de diminuição em todos os horizontes temporais e cenários, onde se espera uma redução entre 24% a 65% até 2100. Em Porto Santo a tendência é semelhante".
Mais, "as projecções também indicam uma tendência de agravamento dos fenómenos extremos de precipitação em ambos os cenários, esperando-se um aumento médio da sua frequência entre 22% e 49% até meados do século XXI, fazendo com que a conjugação entre a tendência de diminuição da precipitação com o aumento de fenómenos extremos acarrete um conjunto de desafios importantes na gestão dos recursos hídricos", refere. "Relativamente à variação da temperatura média anual as projecções assinalam um aumento médio entre 3,1ºC e 4,9ºC até ao final do século, de acordo com os cenários SSP2-4.5 e SSP5-8.5 respetivamente".
E ainda frisa: "De salientar, que na generalidade dos casos é nas cotas mais altas que a anomalia da temperatura tende a ser superior. Já em Porto Santo a anomalia mantém-se consistente em ambos os cenários, evidenciando uma diferença de 2ºC quando comparado com o período de referência, a partir de meados do século até 2100." Ou seja, já fora do limite dos 1,5ºC de temperatura global. As evidências estão à vista, seja com dados mundiais, continentais, nacionais ou locais.
Quanto à frase do leitor, estando mais do que provado que as alterações climáticas existem e tendem a piorar, importa referir que, em parte é verdade que Portugal tem impostos e taxas de âmbito ambiental, mas não justificadas directamente por esta evidência. Um dos casos é o Imposto sobre Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), o imposto sobre combustíveis (gasolina, gasóleo, etc.), que foi aumentado parcialmente por razões ambientais, para reflectir o "custo de carbono" e inclui uma componente de taxa de carbono, que varia conforme o preço do CO₂ nos mercados europeus.
Outro imposto é o IUC (Imposto Único de Circulação), que é calculado em parte com base nas emissões de CO₂ do veículo. Ou seja, carros mais poluentes pagam mais. Também o Imposto sobre Veículos (ISV), que é pago na compra de automóveis novos. Também depende das emissões de CO₂, incentivando a compra de carros menos poluentes ou eléctricos. São as que mais dizem respeito ao comum dos cidadãos e que lhes pesa na carteira, mas globalmente são aceites como um mal menor ou algo já entranhado nos custos de ter automóvel próprio.
Há também a taxa de carbono na aviação e do transporte marítimo, em que Portugal aplica taxas e contribuições ligadas às emissões destes sectores (em linha com regras europeias), sendo que parte das receitas vai para o Fundo Ambiental (FA). Não sendo um imposto, o FA recebe dinheiro de várias taxas ditas 'verdes' (como são a da reciclagem ou de resíduos) e financia políticas de transição energética e combate às alterações climáticas.
Refira-se que a taxa de carbono, por exemplo, nos voos domésticos, ou seja entre Portugal e a Madeira, estão isentas de imposto, como ainda ontem a associação Zero fez questão de pedir uma alteração. Uma medida que a ser aceite pelo Governo para incluir no Orçamento de Estado, poderia implicar um aumento dos custos das passagens aéreas de e para a Madeira a partir de Portugal continental ou dos Açores.