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Lei sobre violência doméstica prevê afastamento de casa do agressor mas é pouco aplicada

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A legislação sobre violência doméstica já prevê, desde 2015, que seja o agressor a sair de casa em vez da vítima, mas a medida está a ser pouco aplicada, alertou hoje uma técnica que trabalha com a problemática em Bragança

Teresa Fernandes é a responsável há mais de uma década pelo Núcleo Distrital de Bragança de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica, a principal estrutura do género nesta região, e defendeu, em entrevista à Lusa, que se a legislação já existente fosse aplicada, algumas situações como as mortes ocorridas em janeiro poderiam ser evitadas.

“A lei já prevê determinadas coisas que a serem aplicadas tal e qual como estão previstas poderia reduzir muito a reincidência do crime e a perigosidade associada a este tipo de crime”, vincou, indicando que desde 2015 que a legislação contempla medidas preventivas como o afastamento e vigilância do arguido ou agressor.

Entre as medidas de coacção aplicadas aos arguidos nos processos de violência doméstica constam “entregar armas que tiverem, sujeitar a frequência de programas para arguidos, não permanecer na residência onde o crime tenha sido cometido ou onde habite a vítima”, enumerou.

“Não têm todas [as mulheres] de sair de casa, se saíssem eles”, enfatizou, acrescentando que a esta medida acresce ainda outra como “não contactar com a vítima e com determinadas pessoas familiares ou frequentar certos lugares ou certos meios”.

“Isto já está desde de 2015, bastava que mais vezes fosse aplicada para que nem todas as vítimas tivessem de sair porque neste momento o paradigma é: a vítima para se proteger sai, quando na lei já está previsto não permanecer na residência [o agressor]”, sustentou.

Para garantir o afastamento do agressor, as medidas de coacção, ou seja ainda na fase de inquérito do processo, contemplam “os meios técnicos de controlo à distância, que é a possibilidade de fiscalizar que o arguido cumpre, que não se aproxima dos locais onde a vítima está, com uma pulseira electrónica”.

“E isto tem de ser mais aplicado. Às vezes já o é, não é de forma suficiente”, reiterou.

A técnica não tem dúvidas de que “se em todos os casos de avaliação de risco elevado houvesse a aplicação desta medida de coacção e desta fiscalização à distância, provavelmente a reincidência do crime e alguns dos assassinatos, com que no mês de janeiro fomos confrontados, poderiam ter sido evitados”.

Teresa Fernandes lamentou também que a lei mande que sejam decididas as medidas de protecção à vítima e de coacção ao arguido em 72 horas, que “nunca são cumpridas”.

A fase seguinte dos processos judiciais é também contestada por esta técnica por resultar quase sempre na suspensão provisória do processo proposta pelo Ministério Público ou ir a julgamento com penas até cinco anos de prisão, que podem ser suspensas na sua execução, o que normalmente acontece.

“Tudo isto leva a duas consequências: os agressores voltam a cometer este crime e tanto vítimas como sociedade que pode denunciar porque é um crime público, desistem e desinvestem e desacreditam no sistema de justiça porque não vale a pena denunciar e isto leva ao tal silêncio das vítimas, ao tal ciclo de violência e muitas vezes leva à morte das vítimas”, afirmou.

Teresa Fernandes insistiu que “é irrisório o número de condenações e antes disso é irrisório o número de julgamentos porque a maior parte dos processos cai na suspensão provisória”.

Defende ainda que “se o objetivo é combater a violência doméstica e erradicar a violência doméstica só há dois caminhos: continuar a apoiar as vítimas, mas criminalizar estes crimes mais efetivamente, cumprindo o que já está previsto, mas também criando ainda mais restrições de conduta, uma pena maior para que os arguidos”.

“É este tipo de mensagem que o sistema de justiça não consegue passar: da gravidade e da perigosidade da violência doméstica”, considerou.

Em janeiro do ano passado, o observatório dinamizado pela UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta) contava cinco casos.

Durante o ano passado, foram assassinadas 28 mulheres e, ainda segundo o levantamento feito pelo observatório, “503 mulheres foram mortas em contexto de violência doméstica ou de género” entre 2004 e o final de 2018.

Há uma semana, o Governo anunciou a criação de gabinetes de apoio às vítimas de violência doméstica nos Departamentos de Investigação e Ação Penal (DIAP) e um reforço da articulação e cooperação entre forças de segurança, magistrados e organizações que trabalham na prevenção e combate.

Esta foi uma das decisões tomadas numa reunião de trabalho sobre questões críticas associadas aos homicídios ocorridos este ano e à problemática da violência doméstica que juntou vários membros do Governo, a Procuradora-Geral da República, o Coordenador da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica (EARHVD) e a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG).