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O custo insuportável da perda de biodiversidade

Continua por saber quanto vale um metro quadrado de um ecossistema “endémico” da Madeira

O relatório global sobre o estado da biodiversidade à escala planetária, apresentado esta semana pelas Nações Unidas, elaborado pela Plataforma Intergovernamental Científica e Política sobre a Biodiversidade e Serviços Ecossistémicos (IPBES), vem confirmar o cenário e urgência relativos à necessidade de uma acção global concertada, em favor da conservação e uso sustentável da natureza, semelhante ao entendimento em torno das alterações climáticas. Contudo, se para as alterações climáticas é possível prever e assumir modelos descritivos dos diferentes cenários e respectivos impactos e custos de adaptação ou mitigação, o que permite criar um variado leque de opções, no que diz respeito à biodiversidade, tal não será possível. A perda de diversidade biológica e dos serviços e funções a ela associados não é passível de modelação ou de previsão e proposta de medidas de adaptação. Cada forma de vida, nos seus diferentes níveis de organização, é um processo único e irrepetível que, uma vez perdido, não é possível remediar. Nem essa perda nem as suas consequências.

Os resultados agora apresentados sugerem, igualmente, uma mudança radical ao nível da percepção quanto que significa a perda de biodiversidade. Já não é a questão da espécie emblemática, outrora abundante, que se extingue e que é invariavelmente remetida a condição simbólica, sendo, antes, proposto que se olhe efectivamente para o custo insuportável inerente à perda da biodiversidade. Aos habituais números de espécies em perigo, ou mesmo extintas, junta-se a quantificação económica dessas perdas. Que dizer de números como o risco de mais de 400 biliões de Euros de perdas devido à falta de agentes polinizadores ou da diminuição superior a 20% da produtividade agrícola devido à degradação e perda dos solos?

Das várias conclusões e evidências que o relatório proporciona, destacam-se, precisamente, a ideia de que não haverá economia, local, nacional ou global, que possa crescer sem considerar a necessidade de conservar e promover a restauração dos sistemas naturais e, ao mesmo tempo, a urgência de se passar à acção. E a acção não será, neste caso, como no que se passa com as alterações climáticas, no qual, algumas potências têm a capacidade de limitar ou reduzir à insignificância a iniciativa ao nível local. No que toca à biodiversidade, pelo contrário, a sustentabilidade e o crescimento, dependem essencialmente do que cada um conseguir e quiser fazer à sua própria escala.

É, por isso, fundamental conhecer, monitorizar e quantificar o valor dos bens e serviços ecossistémicos, para melhor medir e decidir se queremos assumir o custo insuportável da perda da nossa biodiversidade, sendo ela quem nos proporciona serviços e bens fundamentais para a nossa pequena e isolada economia. Imaginemos o que seria desta pequena ilha sem a água assegurada pelo “ecossistema” Laurissilva?. Qual seria o impacto económico de um turismo que não pudesse utilizar as paisagens naturais que a biodiversidade construiu ao longo de milénios e que hoje são produto diferenciador, porque único, da nossa oferta? Continua, no entanto, por saber quanto vale um metro quadrado de um ecossistema “endémico” da Madeira. Quando tal avaliação for feita, talvez possamos olhar de outro modo para a natureza e o seu verdadeiro valor e, com isso, decidir melhor sobre o nosso futuro.