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Arte pública

um busto do Ronaldo, feito em cartão e cola, fica bem no cortejo do Trapalhão, mas não deve ser passado a bronze

Cabem no universo da arte pública todas as formas de expressão artística que podem ter lugar no espaço público (sejam elas eruditas ou populares): música, pintura, dança, teatro, escultura, performance, instalação, bem como todo o aparato decorativo que costuma abrilhantar os arraiais. Esta formidável diversidade tem, todavia, um corolário: a arte pública (a menos que assuma a forma de uma acção espontânea ou subversiva) é previamente sancionada por quem administra o espaço público. E é aqui que a questão se torna mais polémica porque, quer para o evento efémero quer para a peça destinada a perdurar, alguém terá de decidir o que pode ou não pode figurar nas nossas cidades ou nos nossos campos.

Vem isto a propósito de uma iniciativa de cidadãos, da qual faço parte, que se destina a oferecer à cidade do Funchal uma peça de arte urbana, uma escultura de Amândio de Sousa, nascido nesta cidade em 1934. O artista, já o escrevi nas páginas deste jornal, representa, do meu ponto de vista, uma nobre linhagem de grandes escultores portugueses que fiz remontar a Machado de Castro, a Soares dos Reis e ao madeirense Francisco Franco. Desafortunadamente, foram poucas, muito poucas!, as obras que conseguiu erguer na capital do arquipélago. Era, pois, chegado o momento não só de reparar tão flagrante injustiça como de o fazer de forma exemplar.

Numa iniciativa aberta a todos os que a ela se queiram associar, está neste momento a decorrer uma subscrição pública destinada a custear a construção de uma peça de Amândio de Sousa num local já autorizado pela Câmara Municipal. Esta autorização é significativa: a entidade que, neste caso, administra o espaço público do Funchal, sancionou o projecto. E fez muito bem. Soube ouvir, em primeiro lugar, os cidadãos que integram a comissão promotora da iniciativa, gente que estudou ou que se interessa pela arte urbana e pela vida cultural da sua cidade.

Nada tenho contra a arte popular, gosto do Salvador Sobral, de bandas filarmónicas, de tapetes de flores, renas e pais natais na estação. A arte popular pode e deve ter o seu lugar nas nossas praças e ruas. Porém, sejamos claros: um busto do Ronaldo, feito em cartão e cola, fica bem no cortejo do Trapalhão, mas não deve ser passado a bronze e, muito menos, plantado para a eternidade no espaço público em cima de um pedestal. Será assim tão difícil, a quem tem de tomar decisões sobre estes assuntos, ouvir primeiro primeiro a opinião daqueles que os estudam e os conhecem?

Dito isto, quero aqui exortar todos os que se interessam pela vida cultural da nossa cidade a visitarem a exposição patente na PORTA 33, galeria que oportunamente se associou a esta iniciativa. Aí poderão ver a maquete da peça de Amandio de Sousa a construir no Parque de Santa Catarina, bem como outras tantas obras deste notável escultor.