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França viola lei internacional ao exportar armas para repressão no Egipto

FOTO Reuters
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A Amnistia Internacional denunciou hoje que a França violou o direito internacional ao fornecer ao Egipto armas e equipamento militar que o país tem repetidamente usado para dispersar manifestações de forma violenta.

Num relatório intitulado “Egipto: Como armas francesas foram usadas para reprimir a dissidência”, a organização de defesa dos direitos humanos apresenta provas, recolhidas durante uma extensa investigação, que demonstram que equipamento militar francês, incluindo veículos blindados, foi utilizado pelas forças de segurança egípcias entre 2012 e 2015 na repressão de protestos, entre os quais, em agosto de 2013, os conhecidos como massacres de Rabaa e Nahda, em que foram mortas pelo menos mil pessoas, o maior número de manifestantes morto num só dia na história egípcia moderna.

O documento assenta na análise de mais de 20 horas de imagens de vídeo, centenas de fotografias e 450 gigabytes de material audiovisual fornecido por grupos de direitos humanos e órgãos de comunicação locais e prova claramente que foram utilizados veículos blindados Sherpa e MID em alguns dos mais sangrentos episódios de repressão interna no Cairo.

Em comunicado, a Amnistia salientou que “a França continuou a fornecer armas àquele país, em total desrespeito da lei internacional”, apesar de existir “uma proibição da União Europeia em vigor”, e que “nenhum apuramento de responsabilidades foi, até à data, conduzido pelo Governo egípcio”.

“É chocante que a França tenha continuado a fornecer ao Egipto equipamento militar depois de este ter sido utilizado num dos mais mortíferos ataques a manifestantes testemunhados em todo o mundo no século XXI”, declarou Najia Bounaim, directora de campanha da Amnistia Internacional (AI) no norte de África, citada no comunicado.

“O facto de estas transacções terem sido feitas - e continuarem a ser feitas -, apesar de as autoridades egípcias terem dado zero passos para apurar responsabilidades e não terem adoptado quaisquer medidas para pôr fim ao seu padrão de abusos, coloca a França em risco de cumplicidade na crise de direitos humanos em curso no Egipto”, frisou a responsável.

Entre 2012 e 2016, a França vendeu mais armas ao Egipto que nos 20 anos anteriores e, só em 2017, forneceu-lhe equipamento militar e de segurança no valor de mais de 1,4 mil milhões de euros, precisou a AI.

A organização de defesa dos direitos humanos sublinhou que a venda de veículos blindados é uma violação flagrante da Política Comum Europeia de 2008, vinculativa para todos os Estados membros da UE, que regula as exportações de equipamento e tecnologia militar.

“Os regulamentos da União Europeia exigem legalmente a França, e a todos os outros Estados membros da UE, que rejeitem um contrato de exportação se existir um risco claro de que a tecnologia ou o equipamento militar a ser exportado possa ser usado para repressão interna. No caso das transacções feitas com o Egipto, esse risco era claro como água”, observou Najia Bounaim.

“Levantámos a questão da aparente ‘má utilização’ de equipamento militar fornecido pela França junto das autoridades francesas em muitas ocasiões e tentámos repetidas vezes esclarecer qual a exacta dimensão e natureza dessas transacções, incluindo a que utilizadores finais se destinavam. Até agora, as autoridades francesas não nos deram uma resposta adequada”, referiu a responsável.

As autoridades francesas informaram a Amnistia de que só tinham fornecido esse equipamento ao Exército egípcio no âmbito da “luta contra o terrorismo” no Sinai e não para operações policiais.

Um governante francês admitiu à AI que apesar de o equipamento de segurança francês se destinar ao uso do Exército egípcio, as autoridades egípcias tinham ‘desviado’ alguns veículos blindados para utilização das forças de segurança interna.

“Como Estado parte do Tratado de Comércio de Armas (ATT, na sigla inglesa), a França não deve autorizar o envio de armas para onde haja um risco substancial de estas serem usadas para cometer ou facilitar graves violações do direito internacional humanitário”, defendeu Najia Bounaim.

Assim, a directora da Amnistia no norte de África emitiu um apelo: “A França, juntamente com outros Estados fornecedores, deve suspender a venda de todas as armas em risco de serem usadas em violações dos direitos humanos até que as autoridades egípcias mostrem de forma credível que investigaram a má utilização no passado” e puniram os responsáveis.

“Ao fazer isso, [esses Estados] não só evitarão a cumplicidade em graves violações dos direitos humanos, como enviarão uma clara mensagem às autoridades egípcias de que a implacável repressão de dissidências e a impunidade não serão toleradas”, argumentou.

Em Agosto de 2013, os Estados membros da UE acordaram unanimemente a suspensão de contratos de exportação para o Egipto de equipamento militar usado para repressão interna.

Contudo, quase metade dos Estados membros desrespeitou, desde então, esse compromisso: Bulgária, Chipre, República Checa, França, Alemanha, Hungria, Itália, Polónia, Roménia, Eslováquia, Espanha e Reino Unido.

Equipamento militar como armas de pequeno porte, bastões, gás lacrimogéneo e veículos blindados tem sido repetidamente utilizado para reprimir dissidências.