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Banca móvel em áreas rurais de Moçambique reduz vulnerabilidade à fome

Foto EPA
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Um estudo de investigadores da NovaSBE (Faculdade de Economia da Universidade de Lisboa) concluiu que a introdução de serviços financeiros móveis em áreas rurais de Moçambique pode ajudar a diminuir a vulnerabilidade das famílias à fome.

Cátia Batista e Pedro Vicente analisaram neste estudo o impacto da introdução de serviços financeiros através do telemóvel em áreas rurais do sul de Moçambique, concluindo que houve uma adesão relativamente elevada à banca móvel com efeitos positivos na adaptação a choques, incluindo redução dos “episódios de fome”.

“Normalmente, o mecanismo que as pessoas usam para fazer face às despesas acrescidas quando há choques, como cheias ou problemas familiares, é cortar nas despesas de alimentação para fazer face a outras despesas com medicamentos ou reconstrução de casas”, disse hoje à Lusa Cátia Batista.

A banca móvel surge como “um novo instrumento para receber remessas de emigrantes, para receber dinheiro que os ajuda a enfrentar estes choques”, de forma fácil e rápida, permitindo que as pessoas “deixem de ter de cortar na alimentação para fazer face a estas despesas acrescidas”, explicou.

Os economistas do departamento NOVAFRICA da NovaSBE avaliaram também o impacto na atividade agrícola, que registou uma diminuição do investimento.

Os resultados do estudo intitulado “O dinheiro digital está a mudar a Africa rural: evidências de uma experiência de campo” demonstram que “ao reduzir drasticamente os custos das transações associadas às remessas de migrantes, o dinheiro digital agiu como facilitador das migrações de áreas rurais para urbanas”.

Segundo Cátia Batista, este foi o resultado mais surpreendente.

“Nós pensávamos que a banca móvel, ao dar a possibilidade de receberem mais remessas vindas da cidade, levaria a investir mais e o que observamos foi exatamente o oposto”, revelou.

A economista e diretora científica da Nova SBE explicou que as famílias fizeram outras escolhas: em vez de investir o dinheiro na agricultura ou em negócios locais, preferiram migrar, saindo de zonas rurais mais desfavorecidas para regiões mais dinâmicas, como a capital, Maputo, onde procuram melhores empregos e oportunidades.

Cátia Batista acrescentou que a agricultura que se pratica nestas áreas é uma atividade de “subsistência que não deixa propriamente excedentes que permitam fazer algum negócio”, percebendo-se, por isso, “que as pessoas escolham oportunidades de vida mais atrativas, que estão na cidade, e não nesta agricultura tradicional”.

Os investigadores analisaram a introdução da banca móvel nas áreas rurais em várias vertentes: adesão à tecnologia, consumo e vulnerabilidade, remessas de emigrantes e poupanças e investimento empresarial e agricultura.

O estudo revela ainda que os níveis de adesão à tecnologia foram elevados (64% fizeram, pelo menos, uma transação no primeiro ano e 72%, três anos depois) e que não houve evolução nas poupanças.

“Observámos aumentos no número de migrantes em cada agregado familiar e nas remessas de emigrantes recebidas pelas famílias, sobretudo face a choques adversos, mas não identificámos efeitos nas poupanças”, indica o documento, a que a Lusa teve acesso.

Na Africa subsaariana, só 34% dos adultos têm conta numa instituição financeira e nas áreas rurais de Moçambique o acesso a serviços financeiros é ainda mais limitado, estimando-se em 13% segundo dados da Finscope relativos ao ano de 2014.

Segundo os economistas da Nova SBE, a banca móvel abre novas oportunidades, permitindo receber dinheiro através de uma conta associada ao telemóvel, através de um agente local, fazer transferências, pagar produtos ou serviços e levantar dinheiro (junto de um agente local), sem necessidade de ter conta num banco.

O estudo baseou-se nos dados de uma amostra aleatória de 2.000 famílias detentoras de um telemóvel e residentes em zonas rurais de três províncias (Maputo, Gaza e Inhambane), com cobertura de serviço MCel, o principal operador móvel moçambicano.