Revisão da Constituição: o momento
O Presidente do Governo Regional da Madeira anunciou, no final do passado mês de julho, no Chão da Lagoa, com firmeza e enorme sentido de oportunidade, perante o Primeiro-Ministro, a iniciativa de um “projeto de revisão constitucional”, isto para além daquilo que diz respeito à Lei de Finanças das Regiões Autónomas, cuja oportunidade de revisão foi, também, logo de seguida, defendida pelo Presidente da República.
É, de facto, por diversas razões, tempo de assumirmos este desafio, com enorme responsabilidade, não apenas numa perspetiva de defesa dos interesses específicos das Regiões Autónomas, mas, acima de tudo, como uma obrigação política muito séria de verdadeiro interesse nacional.
Desde logo por uma questão de atualidade, pois não podemos ignorar o longo período de 20 anos que decorre desde a última revisão da nossa Constituição, no qual a sociedade assumiu mutações relevantes, enfrentou desafios e viveu acontecimentos muito complexos que nos obrigaram a olhar para a nossa Lei Fundamental. É evidente a Constituição é uma construção permanente que deve, em todos os momentos, ir ao encontro de uma realidade que evolui e que muda e que o Direito segue: uma Constituição que não acompanha a história, não serve o seu povo, perde força e perde vida. Sabemos que a sociedade atual não é a mesma de há 20 anos e que as exigências e os desafios também não são os mesmos. E assim partimos para uma outra razão que nos obriga a repensar a Constituição: a necessidade de preparar Portugal para um futuro mais ambicioso, mais astuto, mais sólido e mais equilibrado, sem complexos, sem amadorismos de bairro e imune a extremismos disfarçados e populismos perigosos, numa democracia consolidada.
Não nos podemos esquecer que esta é a nossa Lei Fundamental e tem impacto real na vida das pessoas. Tem uma importância determinante não só na nossa organização política, que deve continuar a ser pensada, mas, também, na defesa do Estado de Direito e de valores que são absolutamente fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e mais equilibrada, mais atenta e mais exigente, mais sólida e mais ligada a esses princípios basilares, que reforce e promova uma cultura humanista responsável. Não nos podemos desviar da essência axiológica fundamental para embarcar em visões comerciais ligeiras e de entretenimento quase patético. Precisamos muito de substância.
E a revisão da nossa Constituição também se impõe por uma questão de coerência e de compromisso, na sequência da iniciativa do PSD, em 2022, de apresentação de um projeto de revisão da Constituição, agora possível numa nova composição da Assembleia da República, saída da vontade mais recente do nosso povo, que dá garantias de um processo de revisão constitucional abrangente e com importantes salvaguardas de equilíbrio.
Depois temos, ainda, uma outra razão para rever a Constituição: a Jurisprudência do Tribunal Constitucional. A necessidade de pensar, numa perspetiva de clarificação, estabilização e aprofundamento, as posições e reflexões que os Juízes Conselheiros foram lançando ao longo destes 20 anos e a forma como as decisões foram sendo recebidas pela sociedade e pelo poder político, algumas bem recentes como a decisão relativa à “Lei de Estrangeiros” que gerou acesa discussão. E também a necessidade de ultrapassar o que o processo de amadurecimento constitucional não foi capaz de resolver: os receios e as resistências de uma maioria de Juízes Conselheiros que tem vindo a assumir uma tendência centralista e uma postura de desconfiança relativamente à construção autonómica, desconsiderando as naturais aptidões das Regiões Autónomas e o seu contributo para o desenvolvimento harmonioso do país e para o cumprimento da nossa pátria. Essa maioria, pouco sensível às autonomias, chegou mesmo a contrariar entendimentos de um Juiz Presidente do Tribunal Constitucional, o Juiz Conselheiro João Caupers, que, no entanto, se manteve sempre firme nas suas convicções que manifestou em acórdãos onde acabou vencido, mas apenas em número. Nem sempre a razão está do lado da maioria. João Caupers merece, pois, uma palavra de reconhecimento e deve naturalmente ter um papel importante na revisão da nossa Lei Fundamental. A autonomia não é um processo de descentralização como outro qualquer.
Estas são razões importantes que impõem a iniciativa, segura e serena, de um processo, arejado, sério e consequente, de revisão da nossa Constituição, até porque me parece que a anunciada revisão de outros diplomas legais não terá a amplitude desejada se, antes, não formos capazes de repensar a nossa Lei Fundamental.