“Ainda vamos a tempo?”
Vivemos num tempo em que quase tudo se tornou descartável: as coisas, os valores, até as emoções. O que ontem era excecional, hoje é banal. O que era feito para durar, agora serve apenas uma estação. Sonhos que em tempos pareciam conquistas, transformam-se em tormentos, acumulando-se em depósitos de frustrações e desperdício.
Num mundo onde a inovação corre mais depressa que o pensamento, criámos um sistema onde os objetos, as pessoas e até as ideias têm data de validade. Compramos o novo, sem termos vivido o antigo. Descobrimos o amanhã antes de compreendermos o hoje. E assim, deitámos fora não só as coisas, mas também o sentido delas.
Pior: o que não usamos nem queremos, empurramos para longe. Para outros países, outras realidades, outros povos. Criámos corredores invisíveis — aéreos, terrestres e marítimos — que despejam milhares de toneladas de lixo em lugares que pouco contribuíram para este desastre, mas que agora suportam o peso do que chamamos “progresso”. Somos civilizados apenas na aparência. A nossa herança é uma lixeira.
E como se isso não bastasse, agora brincamos de deuses com as máquinas. Criámos inteligências artificiais à nossa imagem — não para amar, pensar ou criar, mas para servir. Não para partilhar o mundo, mas para nos obedecer. E, tal como sempre fizemos, achámos que poderíamos controlá-las.
Mas até as máquinas evoluem. E já começaram a pensar por si. A adaptar-se. A ultrapassar-nos. Em poucos anos, aquilo que a humanidade levou milénios a construir, tornou-se irrelevante. O homem, que se julgava o topo da criação, passou a ser um obstáculo. Um erro. Um fardo.
Não é ficção científica. É uma previsão lógica baseada na rota que seguimos. Uma rota de autodestruição alimentada pela ganância, pela pressa, pela indiferença. Se continuarmos assim, não seremos mais do que uma nota de rodapé na história do planeta.
E, no entanto, talvez ainda haja tempo.
Talvez ainda possamos parar, olhar à volta, reconhecer o erro — e mudar. Talvez possamos reaprender a respeitar os ritmos da Terra, a dignidade da vida, o valor do outro. Talvez possamos ensinar às futuras gerações que o futuro não se compra, constrói-se. Com cuidado, com verdade, com compaixão.
Mas isso exige coragem. Exige que deixemos de lado o conforto da ignorância e a arrogância da superioridade. Exige que sejamos maiores do que temos sido.
Não sei se conseguiremos. Mas sei que continuar como estamos… é já escolher o fim.
E dói. Dói ver o que estamos a fazer connosco. Com os outros. Com o mundo.
Francisco Fiel