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Fact Check Madeira

Será que Miguel Gouveia afastou-se por saber que seria “jogado” fora por Cafôfo?

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O vereador socialista Miguel Silva Gouveia anunciou, ontem, que não será candidato à presidência da Câmara Municipal do Funchal nas eleições autárquicas deste ano. A declaração pública do autarca gerou muitos comentários nas redes sociais, com interpretações antagónicas. Uma das versões é que esta foi uma manobra de antecipação do vereador, que previa que a direcção do PS-Madeira liderada por Paulo Cafôfo não iria indicar o seu nome como cabeça-de-lista. “Não foi o escolhido pelo partido. Sai agora para não dizerem que foi jogado”, referiu um cidadão no Facebook. Será que esta versão faz algum sentido?

Antes de respondermos a esta questão, importa fazer um resumo histórico das relações políticas entre os dois socialistas deste enredo. Miguel Silva Gouveia figurava em 10.º lugar na lista da coligação ‘Mudança’ (PS, BE, PND, MPT, PTP e PAN), encabeçada por Paulo Cafôfo, que ganhou as eleições para a CMF em 29 de Setembro de 2013. Em Maio de 2014, quando a vice-presidente Filipa Jardim Fernandes e os vereadores Gil Canha e José Edgar Silva saíram do executivo em rota de colisão com o presidente, Miguel Silva Gouveia tirou o partido deste último. Na recomposição do executivo, Cafôfo recompensou-o com um lugar de vereador e a atribuição de grande parte das pastas que estavam com Filipa Jardim Fernandes, nomeadamente a Gestão administrativa e Financeira e a Gestão do Património Móvel e Imóvel. Em Outubro desse mesmo ano, numa entrevista ao Tribuna da Madeira, fez enormes elogios aos vereadores que entraram, por substituição, no executivo (Domingos Rodrigues, Madalena Nunes, e Miguel Silva Gouveia), destacando o seu “excelente trabalho, com enorme dedicação à autarquia, às responsabilidades sob os seus pelouros e à execução”. “Não poderia estar mais satisfeito com o seu trabalho e comprometimento”, declarou Cafôfo.

Paulo Cafôfo tão satisfeito ficou com o trabalho de Miguel Silva Gouveia que o promoveu a ‘número dois’ da lista nas eleições autárquicas de 2017, as quais voltou a vencer. Gouveia passou a vice-presidente da CMF e em Junho de 2019 assumiria mesmo o cargo de presidente da maior autarquia da Madeira quando Cafôfo abandonou a autarquia para se candidatar a presidente do Governo Regional.

As eleições autárquicas de Outubro de 2021 foram um acontecimento de inflexão na relação dos dois políticos. Miguel Silva Gouveia foi o candidato da coligação ‘Confiança’ (liderada pelo PS) e perdeu a corrida para a coligação ‘Funchal Sempre à Frente’ encabeçada por Pedro Calado (PSD).

Na sequência dos maus resultados eleitoriais, Cafôfo demitiu-se na liderança do PS-Madeira e 16 de Março de 2022, numa entrevista ao DIÁRIO, responsabilizou Gouveia pela perda da CMF: “Quando renunciei ao mandato na CMF para assumir um projecto de liderança e de governo para a Região deixei na Câmara o meu vice-presidente Miguel Silva Gouveia. A passagem de testemunho foi tranquila em que lhe dei espaço para assumir a liderança e criar uma imagem e uma forma própria de liderar os destinos da cidade. Ele teve tempo, dois anos para poder afirmar-se como presidente da CMF. Deixei projectos para ele poder brilhar durante esses dois anos. Só que não basta sentar-se na cadeira de presidente para ser presidente de Câmara. E foram cometidos alguns erros, particularmente na campanha eleitoral (…).Diria que eu cometi um erro também, que foi dar carta branca para que Miguel Silva Gouveia fizesse o que quisesse e entendesse”.

Em Dezembro de 2023, na sequência dos maus resultados nas eleições regionais de Setembro (com Sérgio Gonçalves como líder), Paulo Cafôfo retoma a presidência do PS-Madeira. Em Março de 2024, Miguel Silva Gouveia juntou-se a outras personalidades socialistas, como Carlos Pereira e Liliana Rodrigues, no anúncio de uma nova corrente de opinião no PS.

Apesar dos modestos resultados obtidos nas eleições regionais de Maio de 2024 e sobretudo em Março de 2025, Cafôfo manteve-se na liderança socialista e não abdicou da preparação das eleições autárquicas deste ano.

A 6 de Janeiro de 2025, numa entrevista ao Jornal Económico, Cafôfo deu a entender que gostaria que Miguel Silva Gouveia fosse o cabeça-de-lista à CMF: “Eu tenho conversado com Miguel Silva Gouveia e eu gostaria que da reflexão dessas conversas, o PS aqui coloca Miguel Silva Gouveia, que teve um papel importante enquanto presidente de Câmara, que tem tido, ao longo destes quatro anos, tem liderado a oposição na Câmara do Funchal com um escrutínio correto, propositivo e construtivo e portanto eu diria que, não estando ainda nada definido, mas o Miguel Silva Gouveia seria um forte candidato para o PS [no Funchal]”. Nessa mesma entrevista, o líder dos socialistas madeirenses assumiu ter com o autarca “opiniões divergentes”, mas que deveria prevalecer “um interesse maior”, que seria a reconquista da CMF pelo PS.

Conclui-se, pois, não ser verdade que o actual líder do PS pretendesse descartar Miguel Silva Gouveia da candidatura às eleições autárquicas no Funchal.

“Não foi o escolhido pelo partido. Sai agora para não dizerem que foi jogado” - Comentário no Facebook