Por quê, Pai? Por quê, Filho?

Sózinho nesta dor e amargura:

Pai, por que me abandonaste?

És meu Pai, pões o enlevo em Mim,

Ensinei a rezar-Te com ternura.

Pai, porque me abandonaste?

Um traidor me vendeu e entregou

Um seguidor três vezes me negou,

Um servo de sacerdote me bateu

A multidão à morte me condenou

Em troca de assassino feito réu

Por que me abandonaste, a teu Filho?

Entregue ao escárnio e à chacota

Flagelado e coroado de espinhos,

Sujeito a ser palhaço de risota.

Abandonado a morrer na cruz

Como escravo vil e malfeitor?

Por que te abandonei, meu Filho?

Olha, Filho, a decisão foi tua

E eu consenti, era por amor.

Fizestes tua a minha vontade

Aceitaste o sarilho de ser fiador

Único salvador de condenados:

Homens e mulheres revoltados.

Abandonaram seu Pai e Senhor

E tu, carregas seus males por amor.

Quem abandonou quem, diz-me, meu Filho?

Pedes-Me: “perdoa-lhes, ignoram seu mal” (Lc 23,34);

Tu sabes que aceitas ser o pagador;

Só um mau reconhece seu pecado

E ouve: “hoje estarás no Paraíso” (Lc 23,43);

Tua Mãe, sofre dores a teu lado,

A quem dizes: “Mulher, eis o teu Filho.

E ao Filho, eis aí a tua mãe” (Jo 19,26).

“Meu Deus, dizes, por que me abandonaste?” (Mt 27,46);

Vou dizer: gemes aí abandonado,

Sob os males de toda a humanidade.

Pergunto: tu, por que me abandonaste

E me trocaste por essa sujidade?

Eu não Te abandonei: assim mudado,

Como ver tua imagem nesse estado?

Tua morte pagou a dívida assumida,

E podes dizer: “Tenho sede!” (Jo 19,28) do meu Pai;

E dizer: vida dada, povo resgatado (Jo 19,30),

Tudo acabou em graça e redenção:

“Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46)

E os redimidos para a ressurreição.

Aires Gameiro