Uma década perdida
No dia 23 de março, os madeirenses votaram e decidiram que o PSD e Miguel Albuquerque merecem a sua confiança para governarem durante mais 4 anos - e em democracia é o voto da maioria que conta, mesmo quando discordamos dela. Para muitos como eu, que fizeram outra escolha, esta opção da maioria não chegou com estranheza, apesar da surpresa da dimensão da vitória do PSD. Estou convencido que os madeirenses escolheram o que lhes pareceu ser o mal menor, a estabilidade conferida pela segurança do que já conhecem: mesmo que saibam que não é o ideal, continua a parecer-lhes o melhor possível perante as alternativas. O PSD confirmou, assim, que governará a Madeira durante mais de 50 anos.
Chegados aqui, não há como fazer outro diagnóstico que não o da completa ineficiência da oposição, incapaz de criar uma alternativa sólida, credível, com que os madeirenses se identifiquem, a quem reconheçam valor e em que acreditem para, finalmente, decidirem mudar. Ao fim de 50 anos, o problema já não é apenas do regime, que tudo condiciona; é também de quem, até nos momentos de maior fragilidade do regime, não encontra os meios para combatê-lo eficazmente - e não encontra porque quem tem liderado essas alternativas no passado mais recente não leu o suficiente, não estudou o suficiente, não sabe o suficiente e não trabalha o suficiente para conhecer melhor a vida política regional - mesmo os que nela andam há muitos anos.
O que as últimas eleições regionais confirmaram é que, desde 2019, a Madeira viverá uma década perdida - e isto já depois de ter perdido a oportunidade de mudar de rumo com a saída de Alberto João Jardim do poder, em 2015. Uma década perdida porque, desde que fez tudo o que estava ao seu alcance para ganhar as eleições de 2019, Miguel Albuquerque estará no poder pelo menos até 2029, sem uma única ideia estrutural para a Região. Uma década resumida à massificação do turismo; ao aumento brutal dos custos de vida, de cujo maior exemplo são a habitação e a inflação que permanece em produtos essenciais; e ao retrocesso no acesso aos cuidados de saúde públicos e gratuitos, enquanto o privado prolifera. Uma década perdida também para a oposição, por vezes entregue a figuras que ninguém sabe bem o que fizeram antes da política e muito menos o que farão depois dela.
Não é só o regime que precisa de uma revolução; é a oposição que precisa de uma refundação - e agora tem tempo para fazê-la, se realmente quiser. Se o calendário se cumprir, 2029 será o ano de todas as eleições: europeias, legislativas, regionais e autárquicas. Perante este cenário e a confirmar-se a saída de cena de Miguel Albuquerque, a opção da oposição é simples: ou a mudança começa a construir-se agora, ou tudo o que sobrará será mais do mesmo. Quererão os partidos realmente fazê-lo, ou continuarão entrincheirados e fechados sobre si mesmos, a fazer tudo igual, mas à espera de resultados diferentes? Ou a oposição volta a ir a votos com figuras gastas e que pouco ou nada acrescentam, concentrando a sua atividade em mais do mesmo até lá, ou se renova, apresentando um novo projeto político para a Madeira, com uma nova geração de políticos e de opções políticas. Ou a oposição o faz, ou o PSD continuará a baralhar para dar de novo.
No caso concreto do PS, Paulo Cafôfo deve ter a clareza de espírito de fazer o que fez Miguel Iglésias e sair do palco, permitindo que o PS se reconstrua, antes que desapareça. Com eles, outros conselheiros próximos deviam fazer o mesmo, abrindo espaço à reconstrução profunda do PS, sob pena de o levarem à total irrelevância política. Os resultados das últimas eleições desenharam no horizonte autárquico nuvens negras, que dificilmente se dissiparão. Apenas a corajosa candidatura de Emanuel Câmara como cabeça de lista do PS à Assembleia da República é de sinal positivo, porque recorda a todos os socialistas um trajeto de luta, que levou tempo a construir, mas que foi possível erguer com muito trabalho, que os madeirenses terão oportunidade de reconhecer nas próximas eleições. Só uma candidatura assim pode aspirar a evitar a catástrofe do PS ficar reduzido a um deputado na Assembleia da República, como se prevê com base no resultado das regionais. Tal como, depois disso, só uma candidatura de Miguel Gouveia no Funchal, que una os principais partidos da oposição em torno de uma das maiores, mais sólidas e consistentes figuras que a política regional tem neste momento, será capaz de manter viva uma ideia diferente para a capital, que tanto precisa dela. Qualquer outro aventureirismo terá como desfecho inevitável a perpetuação da estagnação do Funchal liderado pelo PSD.
O tempo da reflexão já passou; agora é tempo de agir, antes que seja tarde demais.