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Crónicas

A estranheza de voltar

Eu carregava, além da bagagem, o cansaço das frequências e o esforço para acertar o passo à pressa da grande cidade

Quando me viu chegar, pálida e magra, a minha mãe trocou a alegria pela preocupação. Os ares de Lisboa não faziam bem e, decerto, não sabia tomar conta da minha vida. E quis ver melhor, assim mais ao perto, onde estava a jovem vaidosa que deixara três meses antes naquele mesmo aeroporto. O avião devolvia-lhe uma universitária cansada, a quem o jantar de turma ainda pesava no corpo. A roupa bonita estava por lavar, toda amarrotada e dentro da mala.

Eu carregava, além da bagagem, o cansaço das frequências e o esforço para acertar o passo à pressa da grande cidade. Do falar das pessoas à arte de caber numa carruagem de metro a abarrotar de gente, passara meses a tentar encontrar o segredo para ser mais uma na multidão que, todos os dias, subia à superfície na estação do Campo Pequeno. E Lisboa parecia ceder ou talvez fosse da Primavera, das tardes maiores e mais amenas.

E a imagem de um lugar luminoso e amplo vinha já comigo, agarrada à pele que tudo me pareceu estranho na minha casa, no Laranjal. As torneiras da casa de banho davam a impressão de terem encolhido, assim como a minha cama e foi estranho acordar no dia seguinte sem saber onde estava. E, à minha volta, naquele sítio onde os dias e as semanas se sucediam sem que nada mudasse, a inércia havia sido quebrada nos meus primeiros três meses fora de casa.

A minha prima Ana tinha passado no exame de condução e ia comprar um carro, o meu irmão passara os 15 dias à experiência e era jornalista. E lembro-me de ter ido ao jornal no meu primeiro dia das Férias da Páscoa. Em Janeiro ainda era o Duarte; agora era o Caires, de gravador e bloco de notas, emanava estilo e a minha mãe estava tão orgulhosa, que guardava todas as reportagens no móvel antigo da televisão.

Nessa primeira volta, para entregar o papel para o desconto de estudante na viagem da TAP, atravessei uma cidade que, de repente, era mais pequena, mais quente e húmida. Ou era a roupa, boa para Lisboa, pesada para o meu Funchal. Havia lojas novas, cafés diferentes e, pela primeira vez em meses, alguém chamou o meu nome na rua. Aqui eu tinha uma história, raízes, ligações e, apesar de todos terem decidido mudar, acabei por me sentar no café do Pátio para pedir uma Brisa Maçã e sentir o gosto das coisas familiares.

Nesse dia, um daqueles dias abafados de sol e chuva, comprei um livro na Livraria Esperança e vi montras, antes de apanhar o 12 para o Jamboto. Em casa, no jardim, a exuberância da Primavera era a mesma, mas faltava um cão, o ‘Pequininho’. O nosso cão preto e branco, que não fazia cerimónia para morder, morreu nos meus primeiros três meses fora de casa e não voltaria a passear por ali, enquanto eu lia à sombra da laranjeira.