As mais pequenas coisas
Com o passar dos anos o núcleo vai-se tornando naturalmente mais restrito. Entramos em colisão
Quando somos novos, somos mais do Mundo, à medida que o tempo vai passando, tornamo-nos mais dos nossos. Não fiz nenhuma sondagem mas imagino que assim seja com quase toda a gente. A juventude carrega-nos de sonhos e de pessoas. As turmas grandes, os colegas de desporto, os filhos dos amigos dos pais, a catequese, os que connosco passam as férias de Verão, os primos e primos dos primos. São tantos que por vezes é difícil escolher, percebermos onde melhor nos inserimos. Queremos ir “a todas”, estar na rua e conhecer o máximo que conseguimos. Tratamos como amigos quem só vimos uma ou duas vezes, incluímos sem fazer julgamentos, muitas vezes sem aquele peso da premeditação dos que nos interessam mais ou menos, dos que têm mais a ver connosco. É tanto assim que achamos até ridículo quando ouvimos dizer que ninguém tem muitos amigos ou que os mesmos invariavelmente se contam pelos dedos de uma mão.
Com o passar dos anos o núcleo vai-se tornando naturalmente mais restrito. Entramos em colisão com alguns, o nosso próprio caminho leva-nos para sítios diferentes de outros, uns deixam de fazer sentido e o tempo que temos que dedicar ao trabalho e à família faz com que sobre pouco para dedicarmos aos amigos. Ficam os mais especiais, aqueles que estão lá para o que der e vier, os que não nos abandonam em tempos mais difíceis e os que connosco partilham as vitórias e conquistas. São também esses, em conjunto com a família (para quem tem a sorte de a ter) que nos fazem dar valor às mais pequenas coisas. Aos momentos que antigamente achávamos insignificantes ou que nem dávamos por eles. A certas atitudes e pormenores, essenciais ao nosso bem estar, que reproduzem também a nossa maneira de ser e que vamos privilegiando em detrimento de outros. No fundo passamos a gostar de pequenos pedaços de vida quando antigamente procurávamos o que fosse maior e tivesse mais impacto. Acabamos por nos dar e entregar de uma forma diferente porque valorizamos as particularidades também porque começamos a entender de forma mais profunda a inevitabilidade do tempo e os limites da nossa condição humana.
Vem este tema a propósito de ter resolvido ir passar quatro dias a casa dos meus pais. Voltarmos às nossas origens e ao espaço onde crescemos e vivemos a nossa infância, constrói em nós, que temos boas memórias desses tempos, uma saudade do que já passou e uma consciência de que provavelmente não demos o devido valor a certos momentos. Talvez por isso, sempre que por lá passo uns dias, procure absorver ao máximo essa felicidade das mais pequenas coisas. A tranquilidade da noite reflete-se no facto de serem as únicas noites em que desligo o telemóvel, uma vez que estou com eles e que por isso sei que se precisarem de mim, estou à distância de uns passos. O acordar com o pão fresco acabado de comprar pelo meu pai e a dinâmica da mesa de pequeno almoço desenhada pela minha mãe na companhia dos meus sobrinhos. O cheiro que vem da cozinha e invade a casa inteira que nos prepara para a refeição seguinte. As tardes de fim de semana no sofá onde adormeço a ver um filme. A tradição de ir buscar lenha para acender a lareira e a companhia que ela nos faz quando a noite resolve entrar ou as conversas de família. A alegria de ver a minha avó com 94 anos, cheia de força e de carinho para dar.
Parece-me ser essa uma das condições positivas do passar da idade. Darmos valor ao que realmente interessa e estarmos atentos ao que nos é mais profundo. A disponibilidade para darmos mais a menos e encontrarmos a magia nas mais pequenas coisas.
P.S. Embora considere o Dia da Mulher um pouco redutor aqui fica a minha homenagem a todas as mulheres que com a sua força, coragem e amor, todos os dias transformam a nossa sociedade.