A uma deusa sentada
Nos nossos dias, já não se justifica comemorarmos o Dia da Mulher, muito menos numa profissão como a nossa, em que todos são tratados de forma igual. – dizia-me um amigo professor, no passado dia 8, Dia Internacional da Mulher, que, para muitos, lembra o massacre de 1857, em Chicago, que matou 129 operárias numa fábrica em greve.
Confesso que, durante muito tempo, pensei como este meu amigo, com base em dados concretos, já que, na profissão docente, não há discriminação na admissão de mulheres, como se comprova pelo facto de esta ser uma profissão maioritariamente feminina (mais de 75%); nela, salvo um ou outro caso isolado no particular, não há entraves ao gozo das licenças legais e de outros direitos inerentes à maternidade; os salários, horários, responsabilidades e conteúdo funcional são, exatamente iguais. Por outro lado, nunca assisti a nenhum episódio de discriminação entre homens e mulheres no exercício da profissão docente. Por isso, para mim, o meu mundo laboral era perfeito, nesta matéria.
Era, mas já não é. Hoje, não penso assim, apesar de não ter dúvidas de que, se usasse critérios menos exigentes, continuaria a considerá-lo um mundo perfeito na igualdade entre mulheres e homens. O que me fez mudar? Tão-só o abrir os olhos para alguns comportamentos e a frieza da matemática. São exemplos de comportamentos machistas alguns comentários à inauguração da estátua “A professora”, do grande escultor Francisco Simões, no dia 5 de outubro de 2023, homenagem do Sindicato dos Professores da Madeira a todos os professores e educadoras. Aquela imagem feminina, a representar uma profissão eminentemente feminina, despertou no submundo das redes sociais o ímpeto machista de alguns hércules despeitados. Acrescem alguns desabafos de colegas professoras sobre manifestações machistas, que, ainda que isoladas, nem sempre têm uma resposta firme por parte dos órgãos de gestão.
Quanto aos resultados da aplicação da mais elementar matemática aos números de docentes, as conclusões são óbvias: apesar de a docência ser uma profissão sobretudo feminina, quem manda são os homens. Senão, olhemos para os órgãos de gestão das escolas, para os lugares de decisão da Secretaria de Educação e, até, para os sindicatos e associações de professores e tiremos as conclusões.
Felizmente, o SPM tem sido um bom exemplo da igualdade que todos defendem, em teoria, mas, nem sempre, na prática, já que não só as mulheres estão em larga maioria (78%) nos corpos gerentes, como foram elas que ocuparam os cargos de liderança ao longo da maior parte dos 47 anos de história desta organização sindical. Muito provavelmente, está aí a razão pela qual o SPM foi e continua a ser a maior e a mais representativa da profissão docente na RAM.
Em homenagem a todos os que lutam por esta causa, termino com algumas palavras do poema “A uma deusa sentada” que a associada do SPM Conceição Vieira dedicou à estátua “A professora”:
“[…] sem ti, sem o teu saber, a tua força e a tua luz
Só haveria a escuridão da ignorância e do medo e o mundo não avançaria”.