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Fim do ano

À medida que o calendário se aproxima do fim, instala-se um ritual quase silencioso, mas colectivo: o balanço. Dezembro não é apenas um mês, é um convite à pausa num mundo que raramente abranda. As ruas iluminam-se, as agendas enchem-se de encontros e despedidas temporárias e, cada pessoa, à sua maneira, faz contas ao que foi vivido. Para lá das celebrações e das luzes festivas, há um país real que chega a Dezembro cansado, pressionado e, em muitos casos, desconfiado.

O fim do ano traz consigo uma contradição curiosa, uma dualidade. Por um lado, é marcado pelo cansaço acumulado — meses de trabalho, desafios, incertezas económicas e sociais. Por outro, carrega uma expectativa quase teimosa de renovação. Como se a simples mudança de número no calendário tivesse o poder simbólico de reordenar prioridades, curar frustrações e devolver esperança.

Em 2025, essa dualidade parece ainda mais evidente. Vivemos num tempo em que a informação circula à velocidade da luz, mas a compreensão nem sempre acompanha. Há raiva e ódio a circular nas redes sociais. A sensação de urgência permanente convive com uma necessidade crescente de sentido. Fala-se de progresso, tecnologia e inovação, mas também de saúde mental, de vínculos humanos fragilizados e da dificuldade em desligar.

O fim do ano convida a um exercício que vai além da esfera pessoal: o balanço político do tempo que vivemos. Num mundo interligado, as decisões tomadas em instâncias globais repercutem-se nos governos nacionais e, em última instância, no quotidiano das regiões e comunidades locais. É neste contexto que o fim do ano ganha importância. Não como uma solução mágica, mas como um marco. Um momento legítimo para perguntar: o que valeu a pena? O que ficou por fazer? O que precisamos, de facto, levar connosco para o próximo ano — e o que pode ficar para trás?

O fim do ano impõe-se como um momento inevitável de balanço colectivo. Também a política, longe de ser um tema abstracto, atravessou o quotidiano dos cidadãos ao longo do ano, influenciando rendimentos, acesso a serviços essenciais e a percepção de futuro.

Guerras, tensões sociais, inflação persistente e dificuldades no acesso à habitação, à saúde, à educação. O discurso político revelou-se, frequentemente, distante das preocupações concretas da população. Enquanto se sucedem debates parlamentares e anúncios de medidas, muitos cidadãos continuam a sentir que o esforço exigido é sempre maior do que as respostas obtidas. O fim do ano torna essa perceção mais visível, porque coincide com o momento em que as famílias fazem contas.

A confiança nas instituições democráticas é outro tema que merece reflexão nesta altura. A abstenção eleitoral, o crescimento do discurso populista e a normalização do confronto político agressivo, são sinais de um mal-estar que não pode ser ignorado. Quando a política se transforma num espetáculo de curto prazo, perde-se a capacidade de planear estruturalmente o futuro e de responder aos problemas de fundo: desigualdade, envelhecimento da população, precariedade laboral e serviços públicos sob pressão.

Talvez a maior aprendizagem desta época seja a noção de limite. Nem tudo se resolve, nem todos os planos se cumprem. A maturidade colectiva passa por aceitar que recomeçar não exige grandes promessas, mas pequenos compromissos sustentáveis: mais escuta, mais tempo, mais atenção ao essencial.

Num mundo frequentemente polarizado, o fim do ano também oferece uma oportunidade rara de reconexão. À mesa, nas mensagens trocadas, nos silêncios partilhados, há um lembrete simples de que a vida acontece entre pessoas. Que nenhuma meta substitui o afecto, e que nenhum sucesso compensa o vazio.

Que o novo ano comece com menos ruído e mais substância. Com menos promessas de ocasião e mais políticas sustentadas no bem comum, melhores relações entre as pessoas. Porque um país não se renova por decreto, mas pela capacidade colectiva de transformar cansaço em exigência e descontentamento em acção cívica. Feliz Ano Novo!