Trabalho, dignidade e responsabilidade social: uma leitura cristã do “pacote laboral”

O debate em torno do novo “pacote laboral” do Governo e que levou a uma greve geral, convocada pelas duas centrais sindicais (CGTP e UGT) não pode limitar-se a argumentos técnicos ou a confrontos partidários. Para uma consciência cristã, trata-se antes de discernir se as reformas propostas promovem verdadeiramente a dignidade da pessoa humana e o bem comum. É neste horizonte que a Doutrina Social da Igreja (DSI) se revela um critério exigente e atual.

A Igreja recorda, desde a Rerum Novarum, publicada por Leão XIII, no século XIX, que o trabalho não é apenas um meio de subsistência, mas uma participação na obra criadora de Deus. Por isso, “o trabalho é para o homem, e não o homem para o trabalho”. Reformar a legislação laboral pode ser necessário e legítimo; mas fazê-lo à custa da segurança, da estabilidade e da participação dos trabalhadores seria eticamente problemático.

Francisco Sá Carneiro, cuja matriz personalista cristã marcou a fundação da democracia portuguesa, afirmava que “a política vale sobretudo pelo serviço que presta às pessoas concretas”. Esta intuição continua atual. Uma economia verdadeiramente moderna não se mede apenas pela flexibilidade dos contratos ou pela rapidez dos despedimentos, mas pela capacidade de gerar trabalho digno, salários justos e esperança no futuro.

A Doutrina Social da Igreja nunca demonizou o crescimento económico, nem a iniciativa empresarial. Pelo contrário, reconhece-os como instrumentos necessários do desenvolvimento. Mas alerta para um risco permanente: quando a eficiência se torna um fim em si mesma, o trabalhador transforma-se num custo a reduzir. Sá Carneiro advertia que “não governar é um crime”, lembrando que a responsabilidade política implica escolhas corajosas, sobretudo em defesa dos mais frágeis.

Neste contexto, o papel dos sindicatos, da negociação coletiva e do direito à greve merece particular atenção. A Doutrina Social da Igreja vê nestas realidades uma expressão concreta da participação e da subsidiariedade. Enfraquecê-las significa reduzir a voz de quem tem menos poder. Não se trata de negar o diálogo social, mas de o tornar efetivo e equilibrado.

O bem comum, conceito central da tradição cristã, não coincide automaticamente com indicadores macroeconómicos. Mede-se antes pela qualidade de vida das famílias, pela segurança no emprego, pela conciliação entre trabalho e vida pessoal e pela confiança no amanhã. Como recordava Sá Carneiro, “a liberdade só é verdadeira quando acompanhada de justiça social”.

À luz da fé cristã, o verdadeiro critério de avaliação deste e de qualquer “pacote laboral” será sempre este: contribui ele para uma sociedade mais justa, mais solidária e mais humana? Se a resposta não for clara, então o discernimento continua a ser não apenas legítimo, mas urgente e necessário.

Sérgio Carvalho