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Num mar de dificuldades, o orçamento não lança bóias

A apresentação do Orçamento Regional devia ser aquele momento em que todos sentimos que a nossa vida conta, porque é ali que se decide onde se investe, o que se melhora, quem se ajuda. Não é um exercício técnico, não é um papel para políticos discutirem entre si, é sobre as nossas famílias, o nosso trabalho, os sonhos que conseguimos ou não concretizar. Por isso havia tanta expectativa. Mas este orçamento desiludiu: falha onde devia reforçar e afasta-se, de forma preocupante, das promessas feitas no Programa do XVI Governo Regional, aprovado há poucos meses. Saúde e Habitação, anunciadas como pilares centrais deste mandato, surgem agora enfraquecidas, reduzidas e esquecidas.

O corte de 50 milhões de euros no SESARAM é, sem rodeios, um corte direto na saúde dos madeirenses. É impossível ignorar o impacto desta decisão num serviço que já hoje enfrenta problemas estruturais graves: listas de espera que aumentam, tempos máximos de resposta garantidos que são ultrapassados, falta de medicamentos e profissionais de saúde que continuam há dois anos à espera de receber pelo pagamento de trabalho extraordinário para reduzir listas de espera.

Isto, numa Região em que se vive, em média, menos dois anos do que os portugueses no continente. Reduzir recursos num setor que está no limite é comprometer a qualidade dos cuidados, aumentar desigualdades e colocar vidas em risco. A saúde não é um luxo, nem um campo para poupanças. É uma obrigação primeira de qualquer governo.

Na Habitação, o cenário é igualmente alarmante. A redução de mais de 60 milhões de euros nesta área, contraria tudo aquilo que o próprio Governo Regional afirmou ser prioridade. A justificação apresentada, centrada no fim de verbas do PRR, só evidencia ainda mais a falta de visão e de compromisso: se estas verbas eram extraordinárias, então deveria existir um plano claro para compensar o seu desaparecimento. O PS propôs uma solução justa e financeiramente sólida: utilizar para habitação pública os montantes recuperados dos apoios ilegais a empresas da Zona Franca da Madeira. São 143 milhões de euros até agora devolvidos aos cofres da Região, de um total de 839 milhões de euros. Recursos suficientes para aliviar a crise habitacional, diminuir as listas de espera da habitação social, apoiar casais jovens e dar respostas à classe média. Em vez disso, o Governo desinveste. E com isso desilude.

A situação torna-se ainda mais incompreensível quando o Governo Regional insiste em dar prioridade a investimentos de oportunidade duvidosa, como a construção de mais campos de golfe. Para que fique claro, não tenho nada contra o golfe, bem pelo contrário: é um desporto de excelência e que diversifica a oferta turística. Nada contra o golfe. Mas tudo contra um Governo que gasta dinheiro público para que poucos se divirtam, enquanto tantos vivem sem casa, esperam anos por uma cirurgia, auferem salários baixos e têm falta de oportunidades.

Enquanto isso, o discurso oficial continua a centrar-se quase exclusivamente no crescimento do PIB, como se esse número, isolado, representasse o verdadeiro progresso da nossa sociedade.

É aqui que importa ser claro: crescimento económico não é desenvolvimento económico. O primeiro pode até aumentar desigualdades, concentrar riqueza e deixar milhares de pessoas para trás. O segundo exige que as pessoas participem, beneficiem e vejam melhorias reais na sua vida, seja no acesso à saúde, à habitação, à educação ou à mobilidade social.

O crescimento fala de números. O desenvolvimento fala de pessoas. E, neste orçamento, as pessoas ficaram para segundo plano.

O resultado é evidente: este Orçamento mostra um desvio claro em relação às prioridades anunciadas pelo próprio Governo PSD/CDS. As áreas que deveriam ser reforçadas são as mesmas onde se aplicam cortes. As promessas feitas em maio são agora, em dezembro, negadas a nível orçamental. Entre aquilo que se diz e aquilo que se faz vai uma distância que não pode ser ignorada. Se o Governo PSD/CDS escolheu esquecer as promessas que escreveu no seu próprio Programa, nós no PS não o faremos, porque não se pode ignorar aquilo que toca a vida das pessoas, e os madeirenses e porto-santenses merecem um orçamento que respeite a palavra dada.