O bom, o mau e o déjà-vu
Passada mais de uma década de governação do JPP, a boa nova anunciada por Élia Ascensão em 2025, não é um bairro, não são apartamentos, não é sequer a primeira pedra de coisa alguma
O bom: Eduardo Jesus
A roda já foi inventada. E isso é, quase sempre, um facto reconfortante. O turismo e os desafios que o seu crescimento impõe não escapam a essa regra. A Madeira não é a primeira, nem será a última região do mundo, a enfrentar o desafio de equilibrar o crescimento do número de visitantes com a necessidade de preservar o objeto da visita. Há modelos estudados e experiências acumuladas noutras paragens que provam que organizar o acesso à natureza não é um retrocesso, mas um ato de gestão responsável.
É neste equilíbrio de vontades, por vezes difícil de comunicar e ainda mais de justificar, que se deve ler a decisão anunciada esta semana por Eduardo Jesus. A definição de cargas máximas nos percursos recomendados, a necessidade de registo prévio e a distribuição de vagas de acesso não são medidas isoladas, mas decisões integradas numa estratégia que quer transformar a inegável pressão turística num fluxo sustentável. O propósito não é ceder à tentação populista de travar o turismo, mas de evitar que a sua desregulação prejudique a experiência de quem nos visita, dificulte a vida de quem aqui vive e ponha em causa a sustentabilidade do destino. Se a isto juntarmos o critério científico dado pelas métricas do Observatório de Turismo da UMa, a justa isenção de pagamento para residentes e a criação de seis parques individualizados, com gestão própria e estacionamento reorganizado, torna-se evidente que o turismo não é um problema, é só um desafio de gestão e planeamento. E talvez seja esta a primeira prova concreta de que juntar o Ambiente à tutela do Turismo não se tratou de simples reorganização governativa, mas uma aposta política com resultados.
O mau: Élia Ascensão
Doze longos anos depois, as medidas de habitação chegaram a Santa Cruz. Passada mais de uma década de governação do JPP, a boa nova anunciada por Élia Ascensão em 2025, não é um bairro, não são apartamentos, não é sequer a primeira pedra de coisa alguma. A nova presidente apresentou uma carta municipal, que nasce de uma estratégia, que, por sua vez, aguarda a revisão da própria estratégia, que dependerá do futuro plano de mobilidade (que também ainda não existe), o qual terá de alinhar com o PDM, que está a ser revisto para acomodar tudo o que ainda está por criar. É uma estafante matrioska administrativa, onde dos documentos brotam outros documentos, todos por criar, mas todos fundamentais. Em Santa Cruz, papel há muito, casas é que nem vê-las. Mas se dúvidas havia quanto à distância entre o que anuncia a Câmara Municipal e a realidade de Santa Cruz, é a própria Élia Ascensão a explicar. Nas palavras da presidente, é preciso “fazer um retrato, um mapeamento, (…) um diagnóstico”. Ora, 12 anos depois, a Câmara propõe-se ir ao terreno para - imagine-se - descobrir o concelho que governa. Para cumprir tão nobre, ainda que inusitada, missão, serão enviadas equipas para o terreno para encontrar respostas para perguntas tão básicas que fariam qualquer governante corar de vergonha. Há casas? Há terrenos? Há bairros sociais? Existem muitos edifícios degradados? O Município dispõe de habitação municipal? É um inquérito aceitável para quem acaba de chegar ao cargo, não para quem lá está desde 2013. E perante este rol de ignorância política e administrativa, resta acrescentar uma pergunta verdadeiramente útil ao inquérito: o que andou Élia Ascensão a fazer na Câmara nos últimos doze anos?
O déjà-vu: Debates Presidenciais
Ao todo serão 28. Vinte e oito debates para confirmar que a política portuguesa especializou-se na arte da repetição, vinte e oito oportunidades para reciclar frases usadas e ideias caducas, vinte e oito episódios do mesmo enredo político com personagens apenas ligeiramente diferentes. Ao longo de 35 minutos o país assiste, encurralado entre o tédio e a resignação, a uma sequência frenética de perguntas rápidas, respostas cortadas e à encenação melodramática que o país será governado a partir da Presidência da República. O problema não são os debates (uma das boas tradições da política portuguesa), nem sequer o seu formato, mas a tentativa de fazer desta eleição aquilo que ela não é: umas legislativas fora de tempo. Talvez por conveniência de alguns candidatos, habituados a um registo de confronto exacerbado que não encontra espaço nas competências presidenciais, ou por falta de jeito de outros, aparentemente afundados num mar de cábulas preparadas pela equipa de campanha. Seja qual for a razão, a despromoção da eleição presidencial a um simulacro de legislativas abre a porta para a reconfiguração do papel do Presidente da República que passa de garante do regular funcionamento das instituições democráticas e do respeito pela Constituição a uma espécie de primeiro-ministro sombra, legitimado pela vontade efémera das audiências e da agenda mediática. E enquanto se promete o que a Constituição não permite, esquece-se o que realmente importa num Presidente da República: estabilidade, mediação e responsabilidade institucional. No final do dia, fica a sensação de que alguns candidatos não querem ser Presidentes, querem apenas dar o salto para um palco maior.