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Crónicas

A resistência atípica das mães

As mães atípicas resistem a sistemas que falham, a preconceitos que excluem e a uma sociedade que ainda não aprendeu a acolher a neurodiversidade com dignidade e humanidade

“É uma guerreira! Força! Continue assim!” É isto que escuta a maioria das mães atípicas. A verdade é que não corresponde ao que vivem. Vamos por partes.

O que é afinal uma mãe atípica? A comunidade científica usa o termo para descrever mães de filhos com transtornos do neurodesenvolvimento e ou deficiência. São mães de crianças que não cabem nos padrões, nem nas imagens polidas das revistas, nem nas legendas luminosas das redes sociais.

Existe um tipo de maternidade que se desenrola nos bastidores da escola, nas salas de espera das consultas, nas madrugadas gastas a investigar, a estudar relatórios, a pedir segundas opiniões, a procurar ajuda, a escrever e-mails que tantas vezes ficam sem resposta. É uma maternidade cujo maior desafio raramente são os diagnósticos ou os comportamentos dos filhos. O obstáculo maior é a falta de empatia e a ignorância de um mundo que insiste em colocar pessoas em caixas e confundir rótulos com identidades.

Estas são as mães que carregam nos ombros o diagnóstico por fazer, o sistema que falha, a escola que não entende, as decisões que outros adiam, os julgamentos de quem nunca viveu o que elas vivem. Carregam também, demasiadas vezes, a ausência de quem deveria partilhar essa responsabilidade. Há pais que se afastam, poucos permanecem e enfrentam, lado a lado, o mesmo peso invisível.

O problema das mães atípicas não são os filhos. É o mundo que ainda insiste em vê-los como acidentes, como pessoas com defeito. Ser mãe atípica é amar uma criança exatamente como ela é, sem expectativas impostas, e mesmo assim ser obrigada a explicar que ela não precisa de ser consertada.

O problema é a sociedade que desconhece diversidade neurobiológica.

É o sistema educativo que exige que todos aprendam da mesma forma, que não respeita o igual valor e dignidade, a integridade e que não pratica responsabilidade pessoal.

São os olhares de soslaio, as perguntas invasivas, os comentários desumanos, os relatórios escolares ignorados ou inadequados, os profissionais que descartam aquilo que não compreendem.

E tudo isto cansa. Desgasta muito. Desgasta mães e filhos.

Estudos recentes mostram níveis de stress crónico, depressão e ansiedade muito acima da média entre mães de crianças com necessidades especiais. Não por fraqueza, mas por excesso de força. Sustentam sozinhas tarefas que deveriam ser partilhadas entre escolas, comunidade, serviços de saúde e políticas públicas.

Enfrentam avaliações adiadas, diagnósticos recusados, decisões judiciais que ignoram a ciência, instituições que não escutam. São mães que escrevem e-mails tarde da noite, que estudam neurociência para compreender, acompanhar e proteger, que explicam ao mundo, com uma paciência já exausta, que os seus filhos não são problemas. São convites à evolução.

O corpo da mãe atípica torna-se porto seguro. Recebe a crise, traduz o mundo, co-regula. É nele que a criança neurodivergente aprende, explora, se reconhece. É nesse colo, cheio de amor incondicional, intuição e conhecimento, que o cérebro se molda para o vínculo, a empatia, a autonomia e o amor-próprio.

A Teoria Polivagal, de Stephen Porges, lembra que o sistema nervoso da criança precisa de sentir segurança biológica para se desenvolver. E essa segurança, na maioria das vezes, vem da mãe. Da sua presença firme. Da sua voz calma a dizer: “Estou aqui. Não estás sozinho.”

A neurociência confirma que responder ao choro, ao medo, à crise, com presença e não com punição, estrutura o cérebro da criança para confiar, regular-se, explorar o mundo. São estas mães, tantas vezes exaustas, que continuam a oferecer essa presença.

Dormem pouco e amam muito. São julgadas por serem protetoras, exageradas, quando na verdade estão a prevenir traumas. Fazem o impossível: criam segurança onde o mundo oferece perigo. Criam estabilidade emocional num ambiente que marginaliza. Criam presença reguladora mesmo quando estão a desabar por dentro.

Estas mães não querem que os filhos sejam “normais”. Querem que sejam respeitados, compreendidos e livres para ser quem são, sem medo, sem vergonha e sem adaptação forçada.

Não são guerreiras por natureza. Tornaram-se lutadoras porque o mundo as empurrou para a linha da frente, pagando um preço alto demais.

E em vez de ouvirem “força, continue assim”, gostariam apenas de escutar: “Como estão?”, “de que precisam?”, “como posso ajudar?”, “estamos convosco”. A maternidade atípica deixa de ser luta quando o mundo escolhe finalmente ser colo e comunidade.

Amanhã assinala-se o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência e esta mãe atípica envia um abraço muito apertado a todas as mães que caminham nesta mesma realidade. Seguimos juntas na construção de um mundo mais consciente, mais justo e verdadeiramente inclusivo para todos.