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Intelectual Orgânico - o Pe. João da Cruz

Na Madeira houve várias tentativas para matar o Pe. João da Cruz. Houve gente que ativou a gramática das bombas, entre 1974 e 1976, para assassinar aquele Padre.

João da Cruz Nunes faleceu nesta semana. Natural do Jardim do Mar, no concelho da Calheta, foi ordenado Padre no Funchal (15 de agosto de 1959), licenciou-se em Românicas, em 1966, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Por que razão aquele Padre se tornou uma ameaça nesta terra?

Relatou-nos as suas viagens e as causas da sua perdição: os encontros internacionais com o catolicismo social.

1) Conheceu de perto o compromisso pastoral em torno da injustiça estrutural que mantém a grande maioria da população em estado de aflição por sua pobreza. E fez a descoberta do contexto pastoral de muitos agentes de Igreja, mulheres e homens, missionários, bispos, padres, sensíveis ao sofrimento popular.

2) Compreendeu aquilo a que alguns teóricos classificam como “a prioridade dada aos contextos e o compromisso prático com os contextos”. Ou seja, a tarefa daqueles que interpretam a realidade a partir dos que neste mundo nada são, das vítimas, dos oprimidos pelos sistemas desta terra. É que existem sectores cristãos que são parte de uma memória viva que abraçou o mundo de facto, diante de clamores sociais, num compromisso com as minorias que sofrem, com os sacrifícios do povo em vista da economia que continua a acumular riquezas para poucos.

3) Captou o papel do “intelectual orgânico”, sem precisar sequer, para isso, conhecer A. Gramsci. Optou pela periferia, pelo mundo dos operários, pelas lutas dos trabalhadores, procurando nestes contextos populares a interpelação da fé, interpretando e buscando a vida.

4) Experimentou, através da Ação Católica, um novo círculo interpretativo dos acontecimentos, por via de três mediações: a mediação sócio-analítica para conhecer a realidade; a mediação hermenêutica teológico-bíblica para discernir a realidade de forma cristã; a mediação prática para transformar a realidade.

5) Realizou a aprendizagem dos pobres como lugar teológico. Isto é, os pobres, no sentido amplo desta palavra, constituíram-se em lugar teológico especial. Como lugar teológico são o reverso da história triunfante dos fortes. Eles são o lugar escolhido por Deus na Escritura, sobretudo, em Jesus. Por conseguinte, a preferência pelos pobres tornou-se parte de uma experiência que não se reduz à compaixão e ao socorro. Passou a não apenas ter compaixão dos pobres, mas aprendeu a se deixar interpelar pela fé e pelas relações que os pobres e suas justas causas desencadeiam.

Aquela memória tornou-se demasiado perigosa. Mas, não conseguiram matá-lo, nem àquela memória.