O futuro da Madeira escreve-se com Água — e com responsabilidade
No dia 1 de outubro celebrou-se o Dia Nacional da Água, bom pretexto para uma reflexão sobre a importância deste recurso na Região Autónoma da Madeira.
Quem não se lembra dos apelos públicos para a contenção e moderação no consumo de água, lançados nos períodos de estio, porque a água que chega pelas nossas seculares levadas não é suficiente para satisfazer uma procura crescente?
Se juntarmos a este cenário o que nos dizem os estudos científicos relativos aos efeitos a longo prazo das alterações climáticas na RAM, percebemos (os negacionistas não percebem, ou não querem perceber) que até ao fim deste século está prevista a redução da precipitação anual em cerca de 30% em relação ao período de referência analisado (1970-1999). À velocidade a que as alterações climáticas vêm sucedendo, este cenário tem forte probabilidade de ser antecipado.
Acresce, que a Lei da Água estabelece uma hierarquia para o seu uso - prioridade ao consumo humano, seguida do uso agrícola, a produção de energia e por fim, outros consumos, como turismo ou lazer, incluindo os campos de golfe (e ainda há a intenção de construir mais dois?). Esta ordem reflete a importância estratégica da água como Bem Público.
Nesta reflexão é também fundamental abordar o desafio da sustentabilidade económico-financeira dos sistemas de abastecimento público, e a adequação dos tarifários (dado que o valor pago por m3 não cobre o real custo do sistema a montante, desde a captação até ao consumo), como forma de incentivar o uso responsável. Simultaneamente, é urgente investir na redução das elevadas perdas de água nas redes de abastecimento, por demasiados anos adiada.
Assim, um forte aumento de utilizações intensivas não prioritárias, que exigem grandes volumes de água, levanta sérias questões quanto à sustentabilidade do recurso no contexto descrito.
Sendo o turismo um pilar da economia madeirense, porventura o principal, as suas necessidades hídricas devem ser enquadradas não só nas prioridades legais, como também fortemente alicerçadas nas previsões científicas quanto à disponibilidade da água a médio e longo prazo.
Devemos honrar a nossa “epopeia da água” com uma nova etapa de responsabilidade coletiva no Século XXI. O futuro da água da RAM exige planeamento, conhecimento, ciência e engenharia, e robusto investimento na valorização do recurso, na redução drástica de perdas, e com disciplina férrea quanto às utilizações menos prioritárias garantindo que o direito fundamental à água para consumo humano e suporte à agricultura sejam salvaguardados. A herança das Levadas, um legado inestimável, deve ser o ponto de partida para um compromisso com o futuro e com a sustentabilidade hídrica na RAM.