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Crónicas

Dicas que valem ouro

Quando o dinheiro deixa de ser o centro e passa a ser o meio, nasce um novo tipo de abundância, aquela que não se mede em números, mas em paz

Ouçam com atenção. Só vou dizer isto uma vez: o dinheiro não tem valor. O que tem valor é o que podemos comprar com ele.

Ouvi esta frase pela primeira vez na universidade, na cadeira de Economia, e ainda hoje ressoa. Naquele instante percebi algo simples e profundamente libertador: nunca tinha pensado o dinheiro assim, não como um fim, mas como um meio. Um símbolo. Um pacto coletivo sustentado pela confiança.

O dinheiro é isso mesmo, é papel pintado que só vale porque acreditamos nele.

Durante séculos, as notas e moedas tinham lastro em ouro, podiam ser trocadas por metal precioso. Hoje, o ouro é outro: chama-se confiança.

E o que o dinheiro realmente representa é invisível, mas essencial: tempo, liberdade, serenidade, possibilidade.

Ainda assim, continuamos a viver em iliteracia emocional e financeira.

Fomos ensinados a temer o dinheiro, a desejá-lo, ou simplesmente a gastá-lo, quase nunca a compreendê-lo.

“Ele não nasce no chão nem cresce nas árvores.”

Todos ouvimos isto. Quase todos repetimos.

Mas enquanto o dizemos, esquecemo-nos de ensinar o essencial: como funciona o dinheiro, o que ele representa e o que ele nos revela sobre nós.

Porque a forma como lidamos com o dinheiro é um espelho da forma como lidamos connosco.

Cada escolha financeira é também uma escolha emocional. Revela o nosso grau de segurança, a relação que temos com o tempo e a crença que cultivamos sobre merecimento. E cada decisão, consciente ou não, constrói o nosso mapa interior de abundância ou escassez. Talvez por isso este tema me convoque tanto.

Sou trabalhadora liberal. Em mais de 30 anos de trabalho só tive dois contratos. O de estágio profissional e dois contratos a termo. De resto, trabalhei sempre a recibos verdes. Vivo num país onde os apoios terapêuticos à deficiência e à neurodivergência são escassos e frágeis. E ambas as minhas filhas precisam deles. Percebi rapidamente que o dinheiro não é apenas um tema económico, é um tema humano. A forma como o gerimos é, muitas vezes, o reflexo da forma como gerimos a nossa energia e o nosso tempo. A nossa vida.

Foi esta realidade, e a urgência de ganhar consciência e compreender melhor o que sustenta o sustento, que me levou ao livro ‘Contas Poupança – As Melhores Dicas’, da autoria do Pedro Andersson, publicado pela Contraponto, da Bertrand Editora.

Confesso: foi uma leitura que me confrontou. Porque Andersson escreve o que devia ser repetido em casa, à mesa, com a mesma naturalidade com que se fala de saúde.

O Pedro lembra-nos que muitas pessoas vivem em pré-falência e não sabem.

Trabalham o mês inteiro para pagar contas, acreditando que estão “a fazer tudo bem”.

Mas o que estão a fazer é sobreviver, não viver.

Tomam decisões financeiras com base em intuições, não em propósito. E confundem estabilidade com uma fragilidade bem disfarçada.

Entre as suas páginas, o autor partilha informação fidedigna, num guia prático, recheados de dicas, aplicações muito úteis em várias áreas da nossa vida e identifica quinze comportamentos aparentemente normais que são, na verdade, bandeiras vermelhas. E lidos com o olhar da neurolinguística, revelam-se padrões de pensamento, linguagens internas de medo, pressa e validação.

Viver de salário em salário.

O corpo vive em urgência. A mente em escassez.

Trabalhar apenas para manter um estilo de vida.

Confundir dignidade com status. Sustentar a imagem, perder a essência.

Dar demasiada importância às aparências.

Comprar para parecer. E acabar por ter menos de si.

Ter dívidas no cartão de crédito.

Pagar o preço da pressa.

Estar amarrado ao crédito do carro.

Trocar liberdade por vaidade.

Não ter um fundo de emergência.

Acreditar que “nada de mau vai acontecer” é o primeiro passo para o desamparo.

Não monitorizar as despesas.

Viver às cegas. E chamar a isso normalidade.

Estes comportamentos, vistos isoladamente, parecem inofensivos. Mas em conjunto revelam algo mais profundo: a crença invisível de que não somos suficientes, de que é preciso correr sempre mais para merecer descanso.

Preocupar-se apenas com poupanças pequenas.

Trocar marcas no supermercado, mas ignorar o custo do estilo de vida.

Não poupar pelo menos 10% do salário.

Não é sobre o valor, é sobre o hábito de se colocar em primeiro lugar.

Não preparar o futuro.

Esperar colheita sem nunca ter semeado.

Ter mais dinheiro empatado em bens do que no banco.

Confundir posse com segurança.

Fazer do dinheiro motivo de discussão.

Quando o dinheiro deixa de trazer paz, perdeu-se o propósito.

Não investir.

Guardar por medo é o outro extremo de gastar por impulso.

Não saber qual é o seu “número mágico”.

Ignorar quanto é suficiente é a forma mais discreta de abdicar da liberdade.

São atitudes banais, mas repetidas mês após mês constroem a ruína invisível de tantas famílias.

Não é falta de dinheiro.

É falta de consciência.

Vivemos numa cultura onde o consumo é o novo aplauso e a recompensa instantânea se confunde com felicidade.

Mas poupar, no sentido mais elevado da palavra, é o oposto da escassez.

É um gesto de maturidade emocional e liberdade interior. É dizer: “não agora”, para poder dizer “sim” ao que realmente importa.

A literacia financeira deveria começar na infância. Não como uma matemática fria, mas como uma linguagem de responsabilidade e presença.

As crianças não aprendem o valor do dinheiro com o cofre do porquinho ou da casinha. Aprendem ao observar escolhas conscientes:

menos ostentação, mais serenidade;

menos urgência, mais intenção.

A forma como lidamos com o dinheiro revela muito mais sobre as nossas emoções do que sobre a nossa conta bancária

Porque o dinheiro, em si, não vale nada.

Mas o que fazemos com ele pode valer a nossa vida inteira, e o nosso futuro também.